Racismo no ambiente de trabalho: consequências judiciais e atuação da Justiça do Trabalho

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Funcionário de condomínio sofre ataques racistas de condômino, mesmo após notificação. Justiça do Trabalho aplica multas e indenizações em casos comprovados de racismo no ambiente laboral.

Funcionário de Condomínio situado na zona norte do Rio de Janeiro sofre constantes ataques e injúria racial em seu ambiente do trabalho por parte de um dos condôminos. O condomínio representado pelo síndico notifica o condômino por sua conduta antissocial e sobre o risco de ser excluído do condomínio. E, mesmo assim os ataques injuriosos não cessam.

Infelizmente, em pleno século XXI, ainda existe o racismo e a discriminação racial ainda presentes na sociedade e nas relações laborais. Destacamos a legislação, a doutrina e jurisprudência sobre as consequências judiciais dos atos discriminatórios.

Segundo a Ministra Maria Cristina Peduzzi: "Quando essa prática ocorre no ambiente laboral, a Justiça do Trabalho atua e aplica a lei. E, quando comprovado o racismo, poderão ser fixadas multas e sanções para o empregador que admite esse tipo de condutas e ainda definidas as indenizações cabíveis, foi o que descreveu a Presidente do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho.

Lembremos que a Convenção 111 da OIT, Organização Internacional do Trabalho definiu a discriminação, in litteris: como “toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão” ou, ainda, “qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão”.

De acordo com o Observatório da Diversidade e da Igualdade de Oportunidades no Trabalho da Smartlab, plataforma conjunta da OIT com o Ministério Público do Trabalho (MPT), há uma diferença de remuneração relacionada a sexo e raça no setor formal. Enquanto a média salarial de um homem branco, em 2017, foi de R$ 3,3 mil e a de uma mulher branca foi de R$ 2,6 mil, a de homens e mulheres negros foi de R$ 2,3 mil e R$ 1,8 mil, respectivamente. Também houve segregação ocupacional de negros em cargos de direção – estes compunham apenas 29% dos cargos.

Em recente estudo intitulado "Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil" elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019, demonstrou que, no mercado do trabalho no Brasil, os pretos e pardos representam 64,2% da população desocupada e 66,1% da população subutilizada. Afora isso, o número de trabalhadores negros em ocupações informais era de 47,3%, ao passo o de brancos era apenas de 34,6%.

Destaca-se, ainda, que em relação ao rendimento médio, pessoas brancas ocupadas tiveram salário 73,9% superior ao da população preta ou parda (R$ 2.796 contra R$ 1.608). Entre os trabalhadores com nível superior completo, brancos ganhavam, por hora, 45% a mais que pretos ou pardos.

Quanto à distribuição de renda, os pretos ou pardos representavam 75,2% do grupo formado pelos 10% da população com os menores rendimentos e apenas 27,7% dos 10% da população com os maiores rendimentos.

A questão da discriminação, inclusive a racial, também é tema de diversos processos judiciais. De acordo com dados da Coordenadoria de Estatística e Pesquisa do Tribunal Superior do Trabalho, a indenização por dano moral decorrente de atos discriminatórios foi o 88º assunto mais frequente na Justiça do Trabalho em 2019.

O tema também aparece na 137ª posição, no ranking relativo à rescisão do contrato de trabalho por dispensa discriminatória, e na 609º, relativa à garantia constitucional de não discriminação. Em conjunto, o assunto está presente em mais de 49,2 mil processos no ano. Em 2020, já são mais de 31 mil ações.

O combate a todas as formas de discriminação é um dos objetivos fundamentais do Brasil, cristalizados no artigo 3º, inciso IV, da Constituição da República: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

A proteção contra atos ou comportamentos discriminatórios ainda aparece em outros trechos da Carta Magna. O artigo 4º consagra o repúdio ao racismo como princípio das relações internacionais, e o artigo 5º declara a igualdade de todos perante a lei e enquadra o racismo como crime inafiançável e imprescritível

Ao tipificar d crime, é indispensável distinguir racismo de injúria racial. A injúria consiste em ofender a dignidade ou o decoro de alguém, conforme preceitua o artigo 140 do Código Penal. “É como xingar uma pessoa, atribuindo alguma característica pejorativa. É o caso de práticas como comparar a pessoa a animais, ou coisas do gênero”, explica o juiz do Trabalho Firmino Alves Lima. Nesse caso, o autor do delito poderá ser condenado a pena de detenção de um a seis meses ou multa.

Já o racismo, previsto na Lei 7.716/1989 (que ficou conhecida como Lei Caó, por ter sido proposta pelo jornalista e político Carlos Alberto Caó de Oliveira) compreende uma série de crimes, como o impedimento de acesso, de emprego, de promoção ou de qualquer vantagem em razão da cor da pele, da dependência ou da origem racial ou étnica.

Na área trabalhista, caracteriza-se na recusa da contratação ou no pagamento de salários mais baixos, por exemplo. “A injúria é uma ofensa em momento único. O racismo é uma prática mais ampla, que acaba, por sua vez, impedindo o acesso ou a evolução do funcionário dentro do ambiente de trabalho por motivos de cor de pele”, resume o magistrado.

No plano internacional, a já mencionada Convenção 111 da OIT que foi ratificada pelo Brasil e trouxe medidas para combater e eliminar toda discriminação em razão de emprego e ocupação, com estímulo as leis e programas de educação a respeito do tema e convocando a colaboração com empregadores e organismo, com a finalidade de garantir a aplicação da política de combate à discriminação, entre outros aspectos.

No que refere ao ambiente laboral, positivou artigo 7º, inciso XXX, da Constituição da República proíbe diferenças salariais por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) prevê multa por discriminação em razão do sexo ou etnia e assegura a isonomia salarial (artigo 461).

Em decisão judicial de 2010 do TST majorou a indenização a ser paga um advogado discriminado por racismo na Bahia. Ratificando as estatísticas, uma das situações discriminatórias foi o pagamento de salário inferior ao de outro colega que exercia a mesma função e a preterição em oportunidade de ascensão e promoção em benefício de funcionários menos experientes, porém de cor branca.

Verificou-se que uma década depois, o TST continua julgando casos de discriminação racial. Uma decisão de junho de 2020, da relatoria do ministro Cláudio Brandão, reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho e o pagamento de parcelas rescisórias a um oficial de linha que era alvo constante de constrangimento e humilhações, chamado por termos pejorativos.

“Não se pode admitir que o ambiente de trabalho seja palco de manifestações de preconceito e que não observe o mínimo exigido para que as pessoas – empregadas ou não – sejam tratadas com respeito próprio de sua dignidade”, afirmou o ministro na decisão. “A utilização de expressões racistas, no meio ambiente de trabalho, é uma prática que deve ser veementemente combatida”.

Por derradeiro, a legislação federal pátria também traz disposições que vedam a prática discriminatória. A Lei 9.029/1995 proíbe genericamente a adoção de qualquer prática discriminatória para efeito de acesso à relação de emprego ou sua manutenção, seja por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil ou idade.

“Essa lei pode ser aplicada para caso de discriminação racial. Assim, dispensado o empregado em decorrência de discriminação, a lei assegura a sua readmissão, com o ressarcimento de todo o período de afastamento”, explica o ministro aposentado do TST Carlos Alberto Reis de Paula, primeiro ministro negro a comandar a Corte Suprema no Brasil.

Convém sublinhar que a prática de discriminação racial no ambiente de trabalho quando for reiterada poderá configurar assédio moral e, consequentemente, gerar o direito à indenização. O assédio moral pode ser conceituado como “toda e qualquer conduta abusiva, manifestando-se por comportamentos, palavras, atos, gestos ou escritos que possam trazer danos à personalidade, à dignidade ou à integridade física e psíquica de uma pessoa, pondo em perigo o seu emprego ou degradando o ambiente de trabalho”, o assédio moral desestabiliza o indivíduo tanto emocional como profissionalmente. E, constitui uma cruel mácula à dignidade da pessoa humana.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já produziu uma matéria especial e uma cartilha sobre prevenção ao assédio moral. Porém, mesmo que a conduta não seja praticada reiteradamente, ainda é passível de indenização, por ser dano decorrente de ato ilícito

“É baseada na Constituição que a Justiça do Trabalho age. Se ofende princípios da Constituição, o posicionamento da Justiça é radical”, assinala o ministro aposentado Carlos Alberto. “A discriminação racial é uma ofensa à dignidade e um dos caminhos que temos é a imposição de indenização por dano moral”.

Nesse sentido, o TST tem reconhecido o direito à indenização e à rescisão indireta (extinção do contrato por falta grave do empregador) a trabalhadores que sofreram preconceito no ambiente laboral.

Importante ressaltar que o funcionário mantém vínculo laboral com o Condomínio e, não com o condômino, portanto, a demanda pode adquirir delineamentos criminais e cíveis e, não propriamente, trabalhista. Até porque o empregador que é condômino solicitou várias vezes, e advertiu o condômino de sua conduta criminosa, racista e antissocial, porém, sem sucesso de fazer cessar o ilícito perpetrado. (grifo nosso)

Para o advogado Jaques Bushatsky, o condomínio precisa saber lidar com manifestações racistas por dois motivos:

São atos criminosos e ilegais, portanto, devem ser denunciados:

Podem trazer danos à imagem, financeiros e à harmonia social. No caso do humorista Eddy Jr1., por exemplo, o edifício apareceu negativamente em reportagens na TV, ganhou grande repercussão nas redes sociais, exigiu uma assembleia extraordinária convocada às pressas e rendeu até protestos em frente ao prédio em defesa da vítima.

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Além de abalar a convivência, existe um outro problema para os condomínios enfrentarem, certamente menor, porém, importante: esses crimes acarretam indenizações e nada impedirá que a ação se dirija contra o edifício. O referido condomínio poderá economizar até 30% em terceirização de serviços.

Ressalte-se que muitas das demandas judiciais referentes ao racismo são promovidas por funcionários e a relação de pertinência com o condomínio é mesmo evidente, como também o é a sua responsabilidade enquanto empregador. E, as outras ações promovidas por visitantes ou moradores. Igualmente, o crime de um gerará danos, tantos materiais como os demais(extrapatrimoniais).

E, para o ministro aposentado do TST Carlos Alberto Reis de Paula, “é necessário que se tome consciência de que há necessidade e urgência de estabelecermos uma política específica para a integração na nossa sociedade e o afastamento da desigualdade racial”.

Em sua avaliação, isso tem duas vertentes: a educação e o trabalho. “Há necessidade de se estabelecer uma qualificação, fazer com que as pessoas que não têm condições se qualifiquem para o trabalho. A educação parece o único caminho que se estabelece de forma definitiva”.

A igualdade mencionada pelo ministro se concretiza por meio de políticas públicas, que incluem ações repressivas (para combater os atos discriminatórios), valorativas e afirmativas (que buscam garantir o acesso de grupos discriminados e ampliar sua participação na sociedade).

Ademais, o próprio Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) traz o dever estatal de garantir a igualdade de oportunidades por meio de políticas públicas, ações afirmativas, eliminação de obstáculos históricos, estímulo a iniciativas de igualdade e promoção de ajustes normativos para combater a discriminação étnica.

A discriminação positiva deu origem à ação afirmativa, surgida da concepção de que é possível distinguir pessoas ou grupos sub-representações socialmente com o objetivo de não apenas fortalecer suas participações na sociedade por meio de um tratamento preferencial inclusivo, mas de provocar mudanças efetivas nas estruturas sociais.

A discriminação positiva, como uma ação que visa à eqüidade, é uma medida que deve ser tomada no tempo, até que o grupo desfavorecido possa alcançar o nível de desenvolvimento social do grupo dominante. Deve-se considerar, ainda, que o traço distintivo seja pertencente às pessoas, ou aos grupos, a serem discriminados positivamente, isto é, nenhum elemento que não exista nessas pessoas mesmas (ou grupos) poderá servir de base para submetê-las a regimes diferentes.

Não se pode, portanto, desequiparar pessoas ou grupos quando neles não se encontram fatores desiguais. O tratamento desigual estabelecido em regra discriminatória deve estar correlacionado com a diferença que se tomou em conta. O que autoriza a discriminar é a diferença que as pessoas ou grupos apresentam em si, alterando a regra da igualdade, o que faz a discriminação positiva ser justificada frente ao princípio da igualdade de oportunidades.

É por isso que o fato de as pessoas com características arianas serem minoria no Brasil não faz delas um grupo discriminado, ao contrário das mulheres, ou dos negros. Estes, por ocuparem historicamente posições marginalizadas na sociedade, justificariam uma política de discriminação positiva, capaz de promover as oportunidades que, ao longo de décadas, lhes foram negadas.

Essa política seria, portanto, um instrumento que buscaria corrigir desequilíbrios por meio da distribuição de direitos, benefícios ou encargos, que visaria eliminar as desigualdades enfrentadas por essas pessoas ou grupos, submetidos a processos históricos de desvantagens sociais, e se constituiria, de tal modo, em um princípio de justiça com eqüidade.

Enfim, em derradeira instância, o que se almeja ao desigualar as pessoas e grupos por meio de ações positivas, é igualá-las em oportunidades vez que a mera proibição da discriminação se tem mostrado insuficiente para eliminar e banir completamente as desigualdades reais e de fato.

Justifica-se assim a discriminação positiva com o fim de corrigir as desvantagens, ou permitir benefícios, para que as pessoas pertencentes ao grupo discriminado possam desenvolver-se e, ocupar os diversos espaços da vida social. E, a ideia calca-se diante tais situações com o fito de reparar o desvio das contingências na direção da igualdade. Portanto, a discriminação positiva é um mecanismo que busca a concreta justiça social.

Nota-se que quando a discriminação racial e racismo ocorram nas áreas comuns ou ainda envolvem questões que afetem a massa condominial, é imperioso que o síndico tenha de intervir. Aplicando multa prevista no Regulamento Interno ou Convenção Condominial, ou ainda se valer do que está positivado no artigo 1.337 do Código Civil brasileiro vigente a respeito de multas por desrespeito às normas, cujas penalidade poderá alcançar o limite de até cinco cotas condominiais.

Ademais, a vítima e o próprio condomínio poderá realizar o devido Registro de ocorrência criminal junto à polícia. E, nos casos mais agudos e dramáticos, quando o condômino morador acusado poderá ser considerado antissocial, a multa poderá ser elevada até o décuplo da cota condominial, mas para ser legítima deverá ter a aprovação em Assembleia por três quatros dos condôminos.

Evidentemente, o racista é antissocial posto que seu comportamento é reprovável perante a toda sociedade. Contudo, dentro do âmbito condominial, a expulsão é uma intervenção excepcional que deve ser acionado diante de casos graves e ainda ser decretada judicialmente.

Quando um condômino se comportar de forma discriminatória, urge o síndico agir coercitivamente, isto é, advertindo, multando por conta da gravidade do fato. Recordemos que um quarto dos condôminos poderão convocar a Assembleia condominial e destituir o síndico que tenha cometido a injúria racial ou racismo, sendo improvável que o seguro de responsabilidade civil do síndico venha cobrir tais casos.

Independentemente do caso envolver morador, condômino, funcionário, síndico ou, ainda, outra pessoa, é curial colher provas inequívocas dos atos discriminatórios, antes de se aplicar as sanções ou mesmo denunciar o caso às autoridades competentes.

Entre o material probatório servem mensagens de aplicativos, em redes sociais, imagens e vídeos gravados pelo celular ou resgatados em câmeras de segurança e áudios, bem como testemunhas e, demais meios probatórios lícitos.

Orienta-se que a vítima de racismo busque prontamente e diretamente o amparo das autoridades públicas, devendo prestar a queixa-crime na delegacia local, ou em delegacias especializadas existentes em algumas capitais brasileiras.

As denúncias podem ser veiculadas também por meio da internet e telefone. O governo federal pátrio disponibiliza o Disque Direitos Humanos, Disque 100.

A vítima ainda poderá buscar auxílio do Ministério Público, onde existem promotores especializados em situações de discriminação racial. Torna-se indispensável a desconstrução de estereótipos racista e para tanto exige-se educação, debate social e, a aplicação de punições severas em prol de respeitar o princípio da preservação da dignidade humana.

De sorte que não se recomenda tratar o crime com a mediação de conflitos pois isso apenas autoriza o criminoso a continuar em seu ilícito. Racismo é crime e deve ser disciplinado com o mesmo rigor de crimes hediondos. E, para tanto o síndico e toda equipe funcional do Condomínio deverão ser capacitados nas temáticas raciais e terem alinhado procedimento para o combate.

O preconceito e a discriminação, apesar da permanência de elementos que lhes servem de base e estrutura, assumiu diferentes faces e facetas ao longo da história. Diversos foram os agentes perpetradores desta infâmia, do mesmo modo que também historicamente foram diferentes os povos e grupos sociais sobre os quais ela se abateu.

Negros, índios, mulheres, judeus, homossexuais, ciganos, transexuais e asiáticos, são alguns exemplos de sujeitos que, de modo mais ou menos permanente, sentiram ou ainda sentem nos corpos e nas almas o peso inclemente da discriminação.

O condomínio em sua sociedade não pode ficar refém ou deixar de agir contra aquele causador de problemas, pois o algo pior pode acontecer, o que por consequência desvaloriza o condomínio.

Como exemplificação temos:

  • Funcionário denuncia morador de condomínio de luxo por injúria racial. Vide in: https://g1.globo.com/goias/noticia/2016/02/funcionario-denuncia-morador-de-condominio-de-luxo-por-injuria-racial.html Acesso em 1.4.2023.

  • Porteiro de condomínio carioca acusa engenheiro de racismo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff150129.htm Acesso em 1.4.2023.

Eis o parecer, que poderá haver demanda cível e/ou criminal diante os Juizados Especiais em face do condômino que comete racismo em face de funcionário do Condomínio. E, a flexibilização na coleta probatória deverá ser adotada a fim de se combater adequadamente o racismo estrutural e promover a real defesa da dignidade da pessoa humana.

O princípio da igualdade e seu corolário, o princípio da nãodiscriminação, traduzido no objetivo fundamental de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, dispostos na Constituição Federal (art. 3º, IV e art. 5º , caput, da CF/1988), têm inspiração nas constituições liberaldemocráticas contemporâneas, e em diversos diplomas internacionais que declararam os direitos à liberdade, à igualdade e à dignidade de pessoa como pertencentes ao gênero humano,

Como a discriminação, seja ela no ambiente de trabalho ou em qualquer outro ambiente, é a antítese do direito humano fundamental da igualdade, como já referimos alhures, consagrado na quase totalidade das constituições dos países civilizados, é preciso estabelecer o alcance deste princípio e o seu perfil.

Normalmente, o direito à igualdade vem expresso nas constituições como "igualdade perante a lei", ficando vedada qualquer distinção fundada nos motivos enumerados, que normalmente são: sexo, nascimento, cor, raça, idade, idioma, nacionalidade, origem social, religião, dentre outros.

Por igualdade perante a lei, deve-se entender, inicialmente, que todo ser humano deve ser tratado de igual maneira diante da norma vigente ou, em outras palavras, que as leis devem ser aplicadas de igual modo a todos os indivíduos, seja pelo Poder Judiciário, seja pelas autoridades administrativas (igualdade formal).

Ocorre, entretanto, que o princípio da igualdade, se encarado apenas pelo aspecto formal, seria insuficiente e ineficaz, já que a discriminação poderia perfeitamente estar instalada na própria lei, quando então a sua aplicação pelos órgãos do Estado resultaria na concretização da desigualdade.

Apesar desse aparato legislativo de repressão, reforçado a partir da Constituição de 1988, a verdade é que os números indicam que o problema ainda está longe de ser solucionado no Brasil.

Dados do IBGE/PNAD, de 1990, demonstram que a discriminação contra negros e mulheres no mercado de trabalho ainda é grande, pois a população feminina, que representa 51% do total, têm um rendimento médio de 3,6 salários-mínimos, para as mulheres brancas, e 1,7 salário-mínimo, para as mulheres negras, enquanto o rendimento médio dos homens brancos correspondente a 6,3 salários-mínimos, contra 2,9 salários-mínimos para os homens negros.

As práticas discriminatórias nem sempre se manifestam de forma clara e direta, mas sutil e indireta, quando, sob a aparência de neutralidade, nada mais fazem que criar desigualdades em relação a certos grupos de pessoas com as mesmas características.

São exemplos aquelas situações em que o acesso a um determinado emprego aparentemente está aberto a todos, indistintamente, mas o critério de seleção adotado, da "boa aparência", têm impacto negativo sobre certos grupos de pessoas que na realidade se pretendia excluir.

O Poder Judiciário não pode olvidar a notória dificuldade enfrentada pelos que procuram produzir provas da discriminação. Na realidade, deve estar bem atento às facetas e peculiaridades do problema, ampliando os meios de prova e dando aos indícios e outras circunstâncias do caso (exemplo: uma grande empresa que não possui nenhum empregado negro quando está localizada numa coletividade onde metade da população é negra) um valor bastante relevante.

A discriminação, além de atentar contra o princípio da igualdade e macular o ideal democrático, atinge a autoestima das pessoas ou dos grupos vitimados e se tornam até mesmo uma questão de saúde pública, já que se traduzem em sintomas como a fadiga, estresse, insônia, perda de apetite, depressão, isolamento, frustração, revolta, medo etc.

Os funcionários, seja contratados ou terceirizados, são de extrema importância para a vida em comunidade, servindo a equipe de braço direito do condomínio, realizando atividades para manter o bom funcionamento, garantindo qualidade de vida, segurança, bem estar, valorizando a unidade.

Em razão dessa convivência diária, há casos que extrapolam a relação de trabalhando, tornando a relação entre os condôminos como uma relação pessoal de amizade e confiança. De outro lado, pode também acontecer de haver brigar e desentendimentos entre os funcionários do condomínio, surgindo eventuais, conflitos, desrespeitos, e até mesmo agressões.

Há de se observar que o empregador depois de tomar todas as providências cabíveis não deverá ser responsabilizado e nem restar caracterizado o dano moral ou assédio moral no ambiente do trabalho, pois afinal tal punição seria injusta, além de inócua. E, que a possível condenação na seara cível e/ou criminal poderá acarretar a exclusão do condômino agressor por sua conduta antissocial2.


Notas

1 Caso Eddy Jr: aposentada que falou "fora, macaco", afirma à polícia que estava sob efeito de medicamentos e não se lembra de ofensas racistas. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/11/22/caso-eddy-jr-aposentada-que-falou-fora-macaco-afirma-a-policia-que-estava-sob-efeito-de-medicamentos-e-nao-se-lembra-de-ofensas-racistas.ghtml Acesso em 1.4.2023. A Justiça decidiu que a Elisabeth Morrone mantenha distância de ao menos 300 metros do influencer, sob pena de prisão preventiva. A medida protetiva foi solicitada pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa de São Paulo (DHPP) e proíbe também que a agressora mantenha qualquer tipo de contato com o vizinho do andar de cima, mesmo por intermédio de terceiros. O juiz também definiu que Elisabeth está proibida de frequentar o mesmo ambiente que Eddy Junior, especialmente nas áreas comuns do Condomínio United Home & Work.

2 Ademais, a enaltecida Constituição Cidadã proíbe, de maneira expressa, que quando certo agente criminoso sofra punição pela prática de algum desiderato criminoso, a pena a ser imposta jamais poderá ultrapassar a pessoa do agente. O que nos faz enxergar a responsabilização penal é de caráter personalíssimo respeitando-se o princípio da pessoalidade ou personalidade. Outrossim, a Carta Magna afirma que somente quando houver reparação de danos ou decretação da perda de bens é que os sucessores do réu poderão ser responsabilizados, o que se dá em Processos Cíveis. Ou seja, a responsabilização penal de um fato, cometido por um só homem, acabaria por atingir pessoas as quais sequer tinham conhecimento do ocorrido. Assim, a sanção imposta pelo Estado deixaria de ter a natureza de punição justa e passaria a ser uma verdadeira atrocidade.

Sobre os autores
Gisele Leite

Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores POA -RS.

Ramiro Luiz Pereira da Cruz

Ramiro Luiz Pereira da Cruz. Advogado, Pós-Graduado em Direito Processual Civil. Articulista de várias revistas e sites jurídicos renomados. Vice-Presidente da Seccional Rio de Janeiro da ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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