No julgamento de ação que tramitou no Tribunal de Justiça do DF (autos nº 0725561-7xx), uma instituição financeira foi condenada em razão de fraude realizada por terceiro, sendo que o r. magistrado que julgou a causa reconheceu a responsabilidade objetiva do banco por fortuito interno, nos termos da súmula nº479 do STJ. Vejam a Sentença:
Nascimento & Peixoto Advogados foi o escritório responsável pela atuação no presente caso.
"Classe judicial: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7)
AUTOR: C. V. S
REU: BANCO I.
S E N T E N Ç A
Cuida-se de ação de conhecimento, que se desenvolveu entre as partes epigrafadas, por meio da qual se postula provimento jurisdicional de natureza condenatória.
Narrou a parte autora que contratou junto ao BANCO DO BRASIL um empréstimo consignado no valor de R$ 6.636,00 (seis mil seiscentos e trinta e seis reais), a ser pago em 72 (setenta e duas) parcelas. Então, passou a receber contatos frequentes de correspondentes bancários com propostas de portabilidade do empréstimo.
Numa das propostas, propunha-se a portabilidade do empréstimo para o Banco Inter, de modo a reduzir o empréstimo originariamente contratado junto ao Banco do Brasil em mais de R$ 500,00 (quinhentos reais), e ainda um reembolso de R$ 12 mil (doze mil reais), em razão da diferença na taxa de juros.
Concordante com a proposta, encaminhou os documentos solicitados ao representante, momento em que este teceu orientações no sentido de que a autora inicialmente receberia valores em conta corrente, os quais deveriam ser transferidos à conta de terceiro como condição para a conclusão do procedimento de portabilidade.
Aduziu que, uma vez depositado o valor de R$ 23,6 mil (vinte e três mil e seiscentos reais) na conta corrente, procedeu conforme orientações do correspondente, e transferiu a integralidade da importância à conta de uma pessoa de nome L. S. J.
Em seguida, expôs que tentou por diversas vezes contato com o agente financeiro, porém não obteve retorno ou qualquer atendimento, de modo que passou a ter contrato de empréstimo consignado ativo não só com o BANCO DO BRASIL, como originalmente estabelecido, mas também com o BANCO INTER.
Ao final, com amparo na fundamentação jurídica que vitaliza a peça de ingresso, postulou provimento jurisdicional consistente em: (i) anular o contrato de empréstimo com o BANCO INTER; (ii) condenar o requerido ao pagamento de danos morais no valor de R$ 15 mil (quinze mil reais) e ao pagamento de danos materiais, referente aos valores pagos indevidamente, em dobro, que perfazia na data de autuação o valor de R$ 10.552,80 (dez mil quinhentos e cinquenta e dois reais e oitenta centavos).
Regularmente citado, o BANCO INTER apresentou contestação (ID 101201968). Sustentou que a autora realizou a contratação do empréstimo consignado descrito na exordial, e que foi solicitada da requerente a apresentação de documentos de identificação originais, tais como Carteira de Identidade, CPF, além de comprovante de endereço e de renda. Verbera que a autora, além de apresentar toda documentação necessária, também acostou sua digital ao documento “Autorização de Consignação de Empréstimos”.
No mérito, obtempera que os documentos assinados digitalmente são legalmente previstos e possuem, inclusive, segurança superior do que a de simples assinatura física, possuindo o contrato assinatura digital válida, autenticidade e veracidade, não havendo que se falar em contratação irregular e inobservância aos critérios de segurança. Frisa que a autora recebeu o valor contratado, que foi disponibilizado para via TED. Com isso, assevera inexistir dever de indenizar, porquanto ausente ilicitude na conduta da requerida.
Réplica à contestação apresentada no ID 103651795. Nesta, a autora enfatiza que houve fraude na emissão da cédula de crédito bancário em relevo, sob argumento de falsidade da assinatura, eis que: o e-mail para qual foi enviado o documento para assinatura não a pertence, o número de celular utilizado para confirmação das informações é desconhecido, e a localização do endereço IP indicado na cédula bancária corresponde a localidade a mais de 2.000 km de distância de sua residência, na cidade de Viamão/RS.
Na sequência, os autos vieram conclusos.
Eis o relato. D E C I D O.
Presentes os pressupostos para a válida constituição e regular desenvolvimento da relação jurídica processual, constato que a solução da controvérsia jurídica estabelecida demanda a produção de prova exclusivamente documental, razões pelas quais passo a apreciar o mérito das pretensões (art. 355, I, do CPC).
Inicialmente, registro que a presente demanda será julgada à luz dos princípios e normas do Código de Defesa do Consumidor – CDC, uma vez que as partes são consumidor e fornecedor, conforme disposto nos artigos 2º e 3º, da Lei nº 8.078/90, bem como na Súmula 297, do Superior Tribunal de Justiça, que determina que o CDC é aplicável às instituições financeiras.
Com efeito, é cediço que as instituições financeiras, como prestadoras de serviços de natureza bancária e financeira, respondem objetivamente pelos danos causados ao consumidor em virtude da má prestação do serviço, com base na teoria do risco da atividade, nos termos do artigo 14, do CDC.
A pessoa jurídica que atua no mercado financeiro, desempenhando atividade econômica de grande importância e auferindo significativas vantagens, está sujeita ao risco da atividade, devendo, portanto, suportar o ônus inerente às ocasiões em que a prestação de serviço provocar danos.
Sobre o tema, consigno que, segundo o CDC, as instituições bancárias respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por vícios relativos à prestação dos serviços. Assim também dispõe o Enunciado nº 479 da Súmula do Colendo Superior Tribunal de Justiça: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias."
Destarte, de acordo com a referida orientação, a responsabilidade civil das instituições financeiras alcança os danos gerados por fortuito interno decorrentes de atos praticados por terceiros em desfavor dos consumidores, ainda que não tenham agido com culpa.
Compulsando os autos, verifica-se ser incontroverso que houve fraude na contratação do empréstimo consignado perante o BANCO INTER, praticado por terceiro estelionatário. Afinal, a intenção da consumidora era contratar a portabilidade do empréstimo anteriormente avençado face a proposta de reduzir substancialmente o ônus financeiro que lhe recaía.
O requerido, a seu turno, não juntou aos autos qualquer documentação capaz de elidir a tese da requerente, comprovando a regularidade das contratações e/ou descontos de valores. Aliás, os documentos anexos à contestação ratificam que o Banco procedeu à transferência de numerário decorrente de contrato de empréstimo consignado fraudado por terceiro estelionatário sem se ater às diligências necessárias a fim de verificar a identidade e autenticidade daquele que efetivamente assinara eletronicamente o contrato entabulado. A conferência de documentação pelo requerido não lhe permitiu identificar a fraude que se desenhava e, portanto, vê-se agora na iminência de suportar o ônus derivado da sua conduta.
Neste passo, ainda tenho por necessário pontuar o seguinte – não houve um “terceiro”, na acepção do CDC, como fator excludente da responsabilidade civil (art. 14, § 3º, II, do Estatuto Consumerista). A figura do “terceiro” seria representada por alguém, estranho à relação jurídica e direito material, que se interpusesse entre os acordantes, rompendo o nexo de causalidade pretérito e inaugurando um novo nexo, que vinculará uma nova conduta ao resultado danoso. Exemplo clássico é o de um assaltante que invade um ônibus coletivo e dispara arma de fogo contra um passageiro, causando-lhe danos. No caso dos autos, a instituição financeira requerida, a requerente e a pessoa que celebrou a avença em nome desta última, valendo-se dos documentos por ela encaminhados, todos desempenharam papel fundamental no palco em que se desenrolaram os fatos. Dessa relação resultou o dano ora observado. Sem sua intervenção, não teria havido negócio jurídico, razão pela qual não houve a figura de um “terceiro”, enquanto elemento externo ao contrato, com nova conduta capaz de romper o nexo de causalidade. Não é hipótese, portanto, de incidência da excludente legal.
Reconheço que o advento da Pandemia da Covid-19 impôs aos fornecedores de produtos e/ou serviços o desenvolvimento de mecanismos que permitissem a contratação remota, sem a necessidade de aposição da assinatura física em instrumentos contratuais. Contudo, o implemento de mecanismo que permita alcançar um número significativamente maior de contratos, literalmente, por todo o planeta, também expõe os fornecedores a um número equivalente de fraudes. Quem angaria o bônus, deve suportar o ônus.
Nesse panorama, o reconhecimento da inexistência avença é medida que se impõe, com a corresponde restituição dos valores despendidos pela requerente a título de amortização do negócio jurídico guerreado.
No atinente ao pleito de repetição do indébito em dobro, cabe registrar que o art. 42, parágrafo único, do CDC exige a confluência de dois elementos para o acolhimento da referida pretensão, quais sejam: cobrança de “quantia indevida”; e inexistência de “erro justificável”.
Nos termos do escólio que nos vem da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça "A repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo" (EREsp 1413542/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/10/2020, DJe 30/03/2021).
Voltando ao caso concreto, registre-se que, apesar da fraude, ao que tudo indicada praticada essencialmente pelo intermediador, a requerida implantou os descontos com base em contrato escrito recebido, embora falsificado. Apesar da efetiva responsabilidade do Banco requerido, não há prova cabal da atuação direta e imediata da instituição financeira na concretização da fraude, motivo pelo qual não pode ser penalizada com a sanção do ressarcimento em dobro.
No atinente à pretensão condenatória ao pagamento de alegados danos morais, rememoro que, em tema de danos morais, cabe ao julgador apreciar individualmente as demandas que se colocam sob a sua cognição, com o fito de divisar os casos em que se registra dor, sofrimento ou angústia, mas lamentavelmente inerentes à vida social, daqueles casos em que tais sentimentos se entranham com incomum profundidade e de modo duradouro, dando gênese à obrigação de indenizar. Imperioso, ainda, é o registro de que, consoante a mais moderna orientação doutrinária e jurisprudencial, a ocorrência de dano moral prescinde de prova da dor e do sofrimento, traduzindo-se em "damnum in re ipsa".
No caso dos autos, conquanto vislumbre o aborrecimento causado pela celebração do novo contrato de empréstimo consignado sem o conhecimento da autora, que imaginava se tratar de portabilidade de obrigações, o valor foi depositado em sua conta e ela, voluntariamente, transferiu-o a terceira pessoa. Chegou mesmo a desempenhar papel no palco em que se desenrolou seu próprio infortúnio. Nesse contexto, não vislumbro a presença dos elementos fundantes da obrigação de indenizar danos morais.
Por todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos exordiais para DECLARAR a inexistência da relação jurídica instituída pelo contrato nº 6193168, pretensamente celebrado entre as partes; e para CONDENAR o requerido a restituir a título de danos materiais as parcelas debitadas na conta bancária da requerente, de forma simples, relativas ao referido contrato, inclusive as que se vencerem durante a tramitação deste feito. Cada uma das parcelas será acrescida de correção monetária, esta a contar da data dos respectivos vencimentos; e juros de mora, estes à taxa de 1% (um por cento) ao mês, estes a contar da data de citação, para aquelas debitadas anteriormente, e a contar dos respectivos débitos, para aquelas que sucederam a citação. Por conseguinte, RESOLVO a lide com exame do mérito, na forma do art. 487, I, do CPC.
Diante da sucumbência parcial de cada um dos litigantes, CONDENO a requerente a suportar 1/3 (um terço) das custas processuais, compensando-se em seu favor aquelas por si já recolhidas, ao passo em que o requerido suportará a proporção restante.
Condeno o requerido ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, que fixo no valor equivalente a R$ 2 mil (dois mil reais), considerando que a incidência dos percentuais legais sobre o valor da condenação redundaria em valor irrisório (art. 85, § 8º, do CPC). Este montante será atualizado com a incidência de correção monetária e juros de mora, estes à taxa de 1% (um por cento) ao mês, ambos a contar da publicação desta Sentença.
Condeno a requerente ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, que fixo no valor equivalente a R$ 1,5 mil (mil e quinhentos reais), considerando que a incidência do percentual legal de 10% sobre o valor da pretensão na qual foi vencida – danos morais (art. 85, § 2º, do CPC) e repetição em dobro – redundaria em valor irrisório (art. 85, § 8º, do CPC). Este montante será atualizado com a incidência de correção monetária e juros de mora, estes à taxa de 1% (um por cento) ao mês, ambos a contar da publicação desta Sentença.
Transitada em julgado, arquivem-se, com as cautelas e comunicações de estilo.
Sentença registrada eletronicamente. Publique-se. Intimem-se.
CARLOS EDUARDO BATISTA DOS SANTOS
Juiz de Direito "