Capa da publicação Pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes.
Capa: Nelson Jr./SCO/STF

Pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes.

Fundamentos e consequências jurídicas

Leia nesta página:

Diante do pedido de impeachment protocolado pelo presidente Jair Bolsonaro, contra o ministro do STF, Alexandre de Moraes, algumas perguntas precisam ser esclarecidas, elucidando assim esse fato. Esse artigo propõem responder a essas indagações.

No dia 20 de Agosto do presente ano, fomos surpreendidos com a notícia de que o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, protocolou, no Senado Federal, um pedido de impeachment contra o ministro do STF, Alexandre de Moraes. Uma parte do país se mostra perplexa e rapidamente se contrapôs; outra parte, formada por apoiadores do presidente, alegraram-se com a ação, mostrando-se entusiasmados com tal pedido.

O presente artigo não pretende se descambar para as políticas, mas sim apresentar um aparato de fundamentos jurídicos que destrincham a narrativa desse fato importante para o país. O momento necessita muito mais de análise jurídica do que deblaterações ideológicas, sejam de esquerda, direita, ou qualquer outra, que venham a trazer uma mistura que não é salutar, num pais que obrigar tirar seus problemas pela tangente, sob pena de torná-la -los caóticos e sem solução.

Para tentarmos analisar o fato da última sexta-feira, vamos responder algumas perguntas pertinentes.


1. O presidente Bolsonaro tem legitimidade para protocolar um pedido de impeachment contra ministro do STF?

Sim, e não só o presidente, mas qualquer cidadão pode protocolar esse, a Lei do Impeachment, Lei 1079/50, chancela que nada impede, caso alguém tenha provas da prática de alguma atitude delitiva, por parte de algum ministro, que seja protocolado o pedido, conforme o Art. 41. da mesma lei.

Art. 41. É permitido a todo cidadão denunciar perante o Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador Geral da República, pelos crimes de responsabilidade que cometerem.

Nessa seara a atitude do presidente é lícita, mesmo que haja uma parte da sociedade que considera uma atitude descabida, essa é apenas uma opinião política, que não é o nosso campo de debate, juridicamente analisando tem fundamento. Por tanto fica claro que o mesmo é legítimo para propor tal ação.


2. Quais são os crimes de responsabilidade que podem ser cometidos por ministro do STF? Os fundamentos responsáveis ​​pelo presidente se encaixam nesse rol?

Seguindo na Lei 1079/50 no seu Art 39 é definido quais são esses crimes de responsabilidade:

Art. 39. São crimes de responsabilidade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal:

1- altera, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal;

2 - proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa;

3 - exercer atividade político-partidária;

4 - ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo;

5 - proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decoro de suas funções.

O presidente Bolsonaro, em seu pedido, justificou que o ministro Alexandre de Moraes, cometeu tal crime em dois incisos do Art. 39, vejamos:

2 - proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa;

Vamos analisar tal ponto, e a primeira pergunta que fazemos: Qual causa? Em qual causa o ministro Alexandre de Morais proferiu julgamento julgando suspeito?

O presidente Bolsonaro em seu pedido argumenta que seria em relação ao inquérito 4781, o famoso inquérito das fake news, pois bem, inquérito não é causa, não é ação, inquérito é um conjunto de atos de investigação, realizado pela polícia judiciária, com o objetivo de apurar determinado fato, após a finalização dessas diligências, a autoridade responsável, no caso do delegado, irá proferir um relatório, que será apresentado ao MPF, que apresentará a denúncia, iniciando assim o processo, até o momento, não há processo, nem causa.

O que fica claro é que a justificativa do presidente não é juridicamente embasada, visto que não há uma ação instaurada, muito menos decisão judicial, tampouco suspeição. Tal pedido não merece prosperar.

O segundo inciso invocado no pedido do presidente é:

5 - proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decoro de suas funções.

Segundo o presidente, na página 12 do pedido, o denunciado tem se comportado como um juiz absolutista que concentra poderes de investigação, acusação e julgamento, e isso seria algo incompatível com o decoro da função. Pois bem, tal questão não traduz uma verdade, ao ler tal fato, transcrevo a vocês, com sinceridade, que como operador do direito, fiquei sem entender como alguém poderia fazer uma afirmação tão sem nexo e clara fora da verdade, todos sabemos, que a investigação fica a cargo da Polícia Federal e que a acusação, após o final do inquérito, é de competência do MPF, e não temos como falar de julgamento, pois, como já afirmamos, não há processo, ou seja, a afirmação que o ministro concentração tais poderes carece do mínimo de noção.

Outra questão suscitada, que segundo o presidente também quebra o decoro das funções do ministro, é a suposta falta de parcialidade dele, que, segundo o presidente, encaminhou ao TSE, conteúdos do inquérito 4781, sob a indagação de que os mesmos sãos sigilosos, e se pergunta, no mesmo pedido, se o ministro poderia ter fornecido informações com seus pares, no TSE?

A resposta é sim, as informações do inquérito 4781, podem sim ser compartilhadas pelo ministro aos seus pares do TSE, isso não configura nenhuma ilegalidade, nem quebra de decoração, é uma atitude natural dos membros do poder judiciário que estão a analisar as situações semelhantes e que fornece informações de um inquérito a transcorrer num outro tribunal, compartilhando assim suas informações.

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Outra justificativa apresentada pelo presidente é que o TSE, tribunal integrado pelo ministro Alexandre de Moraes, por unanimidade, encaminhou uma notícia do crime contra o presidente da República, isso, segundo o presidente também é uma quebra de decoro, visto que o mesmo não cometeu crime algum.

Primeiro, vale ressaltar, que a decisão foi unânime, inclusive se o ministro não deferisse o recebimento da notícia do crime, ela seria encaminhada de todo jeito, não há motivos para tentar incriminar o ministro por isso, levando em conta, que tal fato, em canto algum do ordenamento jurídico pátrio é crime, se cada juiz desse pais para processado por receber uma denúncia ou prolatar uma sentença, só por que a parte atingida não concorde, vamos viver uma anomia sem fim.

Levamos em consideração que tais justificativas também não merecem prosperar, são rasas em fundamentos e com narrativas falhas, que podem ser refutadas por qualquer estudante de direito dos primeiros anos de faculdade.

Pelo que vemos, tal pedido carece de fundamentos jurídicos básicos, e seu desfecho, sem dúvidas, deve ser o arquivo.

Diante dos fatos aqui narrados, há uma outra indagação que deve ser feita, trazendo à tona um debate que está sendo parido.


3. Sem o mínimo de fundamentação jurídica, pode o presidente, com esse, está ele cometendo crime de responsabilidade?

Vamos encontrar uma saída novamente pela Lei do Impeachment. Mais precisamente, no seu Art 6º, inciso V, vejamos:

Arte. 6º São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos poderes legislativo e judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados:

5 - opor-se diretamente e por fatos ao livre exercício do Poder Judiciário, ou obstar, por meios violentos, ao efeito dos atos, mandados ou sentenças;

Volto a dizer, que meu objetivo não é fazer deblaterações políticas, e sim analisar juridicamente o fato. É notório que o pedido formulado pelo mandatário, por seu conteúdo, pouco robusto juridicamente e, inclusive, guarnecido de alguns erros crassos, tem características meramente políticas, não é razoável tentarmos dizer outra coisa.


Por não ter conteúdo jurídico, o protocolo de tal pedido, junto com o contexto da situação, leva a crer que a atitude do presidente é sim de opor-se ao livre exercício do poder judiciário.

Lembremos que o mesmo não é um cidadão comum, trata-se de uma pessoa que ocupa o mais alto posto do país e toda sua ação, por menor que seja, trás uma imensa responsabilidade, e não é diferente nesse caso.

Pensemos, se o presidente, chefe de um poder da República, não concorda com as posições e decisões de um membro do judiciário, o que esperar de um cidadão comum? O que esperar de alguém que não tem responsabilidade de um presidente?

O pedido formulado pelo presidente, por seu conteúdo, é grave, é uma afronta clara ao judiciário, e deve ter consequências legais.

Concluímos assim, que além do pedido de impeachment não ter nenhuma base jurídica, devendo o mesmo ser arquivado, o presidente, ao protocolá-lo, infringe o Art 6º, Inciso V, da Lei 1079/50, cometendo ele, crime de responsabilidade.

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Sobre o autor
Bruno Vinicius Barbosa Silva Leite

Assessoria e consultoria para pessoas físicas e jurídicas, em Direito Trabalhista, Cível e Criminal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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