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Violência doméstica contra o homem: um crime menosprezado.

09/07/2020 às 01:20
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É possível que homens também sejam vítimas de suas parceiras em ambientes familiares ou domésticos. E não há nenhuma lei específica para isso...

Diante de uma pandemia mundial, os casos de violência doméstica têm crescido exponencialmente, não somente no Brasil, mas também em diversos países. Um problema antigo e colossal dentro da cultura brasileira que persiste até hoje, atingindo os mais variados lares no Brasil, não distinguindo a classe social, a cultura, a religião ou nível educacional aos quais se inserem.

Lendo o tópico acima, é comum ligar a questão da violência doméstica como um estigma que afeta as mulheres de uma forma predominante. Obviamente, os casos de violência doméstica contra a mulher são muito maiores quando se referem à violência contra outras vítimas. Exemplo concreto disso é o aumento preocupante dessa forma de violência ao redor do mundo como nos Estados Unidos, Argentina, Chipre, China, Reino Unido, França dentre outras nações, conforme relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU) no período de Pandemia do Coronavírus que alastrou-se pelo mundo em 2020.

No entanto, nas últimas décadas, tem surgido uma nova vítima da violência doméstica nos lares brasileiros, ou melhor, tem se retirado o silêncio sobre as circunstâncias dessas agressões: as agressões praticadas contra homens. Há estudos recentes que apontam um crescimento no número de denúncias feitas por homens contra suas esposas relacionadas a agressões e violência doméstica, também por conta do isolamento social derivado das quarentenas realizadas por diversos países.

Tapas, beliscões, arranhaduras, socos, arremessos de facas, de tesouras ou de panelas, uso de palavrões, xingamentos ou acusações que venham a ferir a integridade física ou a honra de seus companheiros podem até ser características e atitudes que qualificam mulheres ciumentas e convencionalmente aceitas pela sociedade. Parece até algo usual na cultura brasileira, sendo reproduzida na dramaturgia, música, cinema e demais meios artísticos, porém tais atos podem configurar uma linha de violência doméstica capaz de destruir famílias tanto como aquelas oriundas da violência masculina.

Dada a cultura sexista presente em nossa sociedade, muitas pessoas pensam que não há crime quando a mulher agride o seu companheiro, uma vez que a Lei Maria da Penha, que trata predominantemente sobre violência doméstica, defende apenas a figura da mulher em situação de violência (não pretendendo exaurir as teses sobre mulheres transgênero, casais homoafetivos e afins). De fato, o bem tutelado por essa lei é a saúde e a integridade física da figura da mulher dentro das relações domésticas ou quando há uma ligação com sua qualidade por ser mulher.

Baseado nisso, realmente não é crime agredir o companheiro? Seria uma prática tolerável na sociedade uma vez que o homem é um ser, fisicamente, mais forte e capaz de suportar tais agressões? As respostas para ambos os questionamentos são negativas, ou seja, é crime a agressão e a violência doméstica contra o homem, porém, o tema é tratado de forma geral, com base no Código Penal e possuí suas diferenças em relação à violência praticada contra a mulher. Nesse contexto, há apenas uma modalidade de crime que cita a violência doméstica e que se pode enquadrar o homem como sujeito passivo, no entanto, há crimes que podem também ser cometidos contra homens por suas companheiras e que são passíveis de responsabilização, independemente da existência ou não de leis especiais.

Ofender a integridade corporal ou a saúde de alguém é considerado lesão corporal, fato típico previsto no artigo 129 do Código Penal. Nesse contexto, se a vítima for um familiar, seja filho, irmão, esposa ou esposo, restará configurada o crime de lesão corporal no contexto de violência doméstica, conforme o parágrafo 9º do citado artigo:

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: § 9º  Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

Ou seja, com base na leitura desse artigo, fica clara a hipótese de se configurar crime a lesão corporal que venha vitimar o companheiro, mesmo sendo homem. Aliás, seria logicamente viável tal ponderação, haja vista a necessidade de se buscar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana em qualquer esfera social, principalmente na mais íntima, que é o convívio familiar. Assim dispõe o grande jurista Rogério Greco (2017, p.550):

Merece ser esclarecido, nesta oportunidade, que o § 9º do art. 129 do Código Penal deverá ser aplicado não somente aos casos em que a mulher for vítima de violência doméstica ou familiar, mas a todas as pessoas, sejam do sexo masculino ou feminino, que se amoldarem às situações narradas pelo tipo.

O artigo 5º da Constituição Brasileira assegura que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante e ainda reforça que homens e mulheres são iguais em direitos e deveres. Então, é justo que o homem, no ambiente familiar, venha a possuir meios de buscar uma reparação justa quando se encontra vítima de uma agressão provocada por sua parceira, sendo a busca pelo judiciário um dos meios possíveis quando a agressão ultrapassar o tolerável.

Embora ainda seja uma prática oculta dentro dos lares brasileiros, relatos sobre lesões corporais contra homens vêm aparecendo nos noticiários cada vez mais. Não restam dúvidas que a mulher pode ser também um agente capaz de provocar lesões corporais graves e até mesmo as mortes de seus companheiros por métodos violentos que, em muitos casos, se originam de agressões consideradas “normais”, sempre suprimidas pela vergonha de se buscar ajuda quando quem apanha é o homem. Infelizmente, o crime descrito no artigo 129, §9º é crime condicionado a representação o que torna ainda mais difícil a busca por justiça.

A ideia de que a vítima será julgada ao procurar a autoridade faz com que homens que sofrem violência doméstica evitem realizar denúncias por temor de serem ridicularizados. Porém, há outros casos que esse medo advém de outros fatores, tais como o medo de perder o convívio com os seus filhos.

Esse segundo ponto diz respeito às ameaças que homens sofrem em relação à guarda dos seus filhos. Embora, à primeira vista, tratar-se de um assunto de responsabilidade civil, a alienação parental quando oriunda do cumprimento de uma ameaça feita contra o homem ítima dessa prática pode levar efeitos na seara criminal.

Como caso concreto, imaginem a seguinte situação: a esposa, vislumbrando uma separação judicial, ameaça o seu marido de que, caso ele não saia de sua casa, deixará a cidade com os filhos do casal e nunca mais permitirá que o companheiro mantenha contato com as crianças. Antes mesmo que isso possa configurar como clara alienação parental se concretizada, vislumbra-se a ocorrência do delito de ameaça que consistem em: “Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave”.

Parece incomum o exemplo acima, no entanto, a ameaça é comum dentro dos relacionamentos amorosos e familiares no Brasil. Tal crime é subjugado porque, em muitos casos, o companheiro não considera que o mesmo se consumará, vindo a pensar ser apenas uma explosão de raiva por parte da parceira. Mais uma vez, há casos que a ameaça se consuma, resultando, desde partidas inesperadas com seus filhos de forma irregular, a, até mesmo, homicídios cruéis.

Como bem observado anteriormente, a violência contra o homem em ambientes domésticos possui origens diferentes e é exercida também de forma diferente. Nesse ponto, os crimes mais comuns sofridos por companheiros em situação de violência doméstica são os crimes contra a honra. Em tese, discussões são aceitáveis dentro de qualquer relacionamento mas, em vários casos, esses fatos promovem grande sofrimento psicológico às partes. Pensando nisso, a Lei Maria da Penha busca combater a violência moral contra a mulher, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação e injúria como previsto no artigo 7º da referida lei. Artigo extremamente válido para combater as agressões cotidianas de que são vítimas todos os dias.

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Embora tais agressões morais ocorram por vários lados de um convívio familiar, resta claro que o parceiro também possui o direito de buscar a reparação civil ou criminal por qualquer ato atentatório a sua honra e dignidade, embora mais uma vez, venha a ser um fato culturalmente aceitável quando o agressor é a parceira no contexto.

Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro pode resultar em detenção, de um a seis meses, além de multa; caso alguém seja difamado, vindo a sofrer prejuízo de sua reputação, a pena pode ser de três meses a um ano; nos casos em que se imputa falsamente fato definido como crime para determinada pessoa e sabe-se não ser verdade, a pena a ser cominada é de seis meses a dois anos e multa. Tudo isso conforme o Código Penal.

Embora sejam lógicos, tais fatos fazem parte do cotidiano de vários relacionamentos abusivos. Qualquer desentendimento, processo de divórcio ou disputa pelas guardas dos filhos podem vir a ser palco desses crimes. Parceiros que são difamados para que os seus filhos tenham uma imagem negativa do mesmo; xingamentos, agressões verbais e palavras que atentam a honra do companheiro em brigas públicas ou até mesmo a imputação de crimes que não aconteceram, por exemplo, são condutas que infelizmente fazem parte do dia-a-dia de várias famílias e mais uma vez, são condutas às quais a vítima deve buscar orientações jurídicas.

Então, o que há de diferente nos crimes praticados por homens e mulheres dentro do contexto doméstico?

A resposta está no modo que o Estado reage a tais atos. Nos crimes citados, quando as vítimas são homens, a resposta estatal se dá com base nas regras do Processo Penal de uma forma geral, ou nos casos da aplicação ou não da Lei dos Juizados Especiais (lei 9.099/95). Já nos crimes quando a mulher é a vítima, há dispositivos específicos, como a Lei Maria da Penha, que promoverá uma melhor eficiência do Estado na punição de tais crimes. Exemplo disso é o afastamento da Lei dos Juízados Especiais no que tange aos seus benefícios, ou o fato de a ação penal ser incondicionada em crimes de lesão corporal e afins.

Concluindo, observa-se o dever de combater as formas de violência doméstica, tanto em favor das mulheres quanto em favor dos homens. Tais regras não se resumem somente a tais pontos da relação: elas buscam proteger filhos, avôs, irmãos, enfim, a família em si. O Direito em si busca a proteção incondicional da vida e promove, para todos, os instrumentos necessários para sua defesa.

Portanto, a violência doméstica contra o homem é crime. Assim como as ameaças, calúnias, difamações, injúrias... O que se deve pensar do ponto de vista jurídico é que nenhuma ameaça ou lesão de direito deve ser menosprezada ou ridicularizada. Devemos construir uma igualdade por meio da qual a cultura também seja conectada ao Direito, de modo que um não viva sem o outro; na qual o dever de manter uma relação justa deva ser compactuado entre as pessoas em sociedade; na qual o dever primordial do homem seja proteger e respeitar sua companheira, mas de modo que, também, haja reciprocidade nesse sentido.


REFERÊNCIAS

BRASIL. DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940.

_______. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006

_______. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

GRECO, Rogério. Código Penal: comentado / Rogério Greco. – 11. ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2017.

RODRIGUEZ. Margarita; Além de arranhões e bofetadas: o fenômeno oculto dos homens que são agredidos pelas mulheres. Jul. 2016. Disponível em < https://www.bbc.com/portuguese

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Sobre o autor
Leandro Ferreira da Mata

Cientista Jurídico; bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio Brasília; Especialista em Direito da Criança, Juventude e dos Idosos e em Segurança Pública e Organismo Policial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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