Instituições humanitárias como principal meio de proteção aos feridos de guerra e as dificuldades em sua atuação

07/06/2016 às 12:00
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O Direito Internacional Humanitário é uma progressão dos Direito Humanos que normatiza algumas condutas em momentos de guerra,(definindo os crimes de guerras, os tipos de armas proibidas e etc.) e regulamenta a atuação das instituições humanitárias.

Resumo: O Direito Internacional Humanitário é uma progressão dos Direito Humanos que normatiza algumas condutas em momentos de guerra,(definindo os crimes de guerras, os tipos de armas proibidas e etc.) e regulamenta a atuação das instituições humanitárias. Algumas dessas instituições são o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e o Crescente Vermelhos, (que estão associados) e a Instituição Humanitária Médicos Sem Fronteiras, dos quais discorreremos um pouco neste trabalho. Essas organizações possuem princípios que as regem para que auxiliem de forma igualitária a todos os indivíduos, sem distinção de cor, sexo ou nacionalidade; dando prioridade de atendimento apenas aos mais necessitados. As dificuldades nessa atuação assistencialista e a impunidade aos Estados que as bombardeiam, também serão aqui abordados.

Palavras-chave: Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV); Médicos Sem Fronteiras (MSF); Direitos Humanitários; Princípios; Ataques à Cruz Vermelha; Talisa Maegyr (atuação humanitária)


Os Direitos Humanitários - Introdução

Existem hoje, no âmbito internacional, três grandes institutos de proteção do indivíduo contra a arbitrariedade e a violência; todos com o mesmo objetivo, mas com distinções acerca de a quem protege, em que momentos protege e que tipo de proteção fornece. O primeiro deles é O direito Internacional dos direitos humanos, que é regido pela declaração universal dos direitos humanos; Esta declaração foi elaborada por representantes de diferentes origens jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo, proclamada em Paris no ano de 1948, e estabelece, pela primeira vez, a proteção universal aos princípios do igualdade e da dignidade humana. Ocorreram a partir de então, uma série de tratados que reforçavam esses princípios, como as convenções sobre a discriminação contra mulheres, contra deficientes, e discriminação racial, além da convenção sobre os direitos das crianças, entre outros 1. Temos também o Direito Internacional dos Refugiados, este com uma codificação mais atual, mas com uma proteção necessária desde a antiguidade. Os refugiados são todos aqueles homens, mulheres e crianças que a cada instante, são obrigadas a fugir do lugar onde residem habitualmente, com receio de perderem a própria vida, a segurança e a liberdade em razão de guerras, perseguições, discriminações, intolerâncias etc; 2 estes têm seus direitos estabelecidos pela Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados. Por fim temos o Direito Internacional Humanitário, assunto a ser mais profundamente abordado neste trabalho.

O direito Internacional Humanitário, visa a proteção dos direitos humanos em contextos de guerra. Trata-se de um conjunto de normas consuetudinárias que versam sobre a proteção e o respeito aos militares rendidos e aos civis. A título de exemplo temos a proibição à tortura, ao uso de criança em combates, estupros coletivos, uso de armas químicas, entre muitos outros. Toda a legislação tenta amenizar os efeitos da guerra e evitar o sofrimento desnecessário; Há também uma série de instituições, a maior parte delas associadas ou derivadas da Cruz Vermelha, que prestam assistência aos feridos durante os conflitos armados.


Histórico do Surgimento

Antes do Direito Internacional Humanitário, o período de guerra se caracteriza pela supremacia da lei do mais forte em detrimento das leis locais ou dos direitos humanos. As populações vencidas sofriam com estupros, morte, tortura, violência e escravidão, até porque contra o inimigo, tudo era permitido. Entretanto em diversas culturas antigas, podemos perceber traços do direito humanitário, temos como exemplo a Índia, onde o uso de flechas envenenadas era proibido e o cristianismo que trouxe uma nova visão sobre amar e ter piedade do inimigo; Rousseau em O Contrato Social alertou o mundo sobre a guerra se tratar de Estado contra Estado e não de indivíduos contra indivíduos;

E assim, progressivamente, fomos alcançando uma cultura mais respeitosa e tolerante durante os conflitos, mas ainda não havia nenhuma estrutura eficaz de ajuda humanitária para proteger os feridos de guerra3. Foi então que em 1959 o suíço e ativista social Henry Dunant em uma de suas viagens a Europa, presenciou ,na batalha de Solferino, a morte de 40 mil soldados de ambos os lados, por falta de assistência médica, e ele decidiu então ajudar os feridos durante sua viagem; quando retornou, escreveu o livro "Memórias de Solferino", precursor do direito Internacional Humanitário; neste livro, Dunant manifestou o desejo de que em tempos de paz, cada país consolida-se uma instituição voluntária de assistência às vítimas dos conflitos armados4 e em 1863 criou com mais quatro amigos, o Comitê Internacional de Socorro aos Militares Feridos em Tempo de Guerra que se tornou o que conhecemos hoje como Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), a maior instituição de assistência durante as guerras.

A partir daí, em 1949 houveram diversas convenções na cidade de Genebra, que codificaram normas de proteção à pessoa humana em casos de conflitos armados, que incluíam tanto os civis, quanto os militares fora de combate. Surge em seguida o direito de Haia, que apesar de tratar dos direitos humanitários, versava sobre a conduta dos militares, o uso de armas e etc. E por fim o Direito de Nova Iorque, o mais atual destes e versa sobre a proteção aos direitos humanos em tempos de guerra.


Os princípios da Cruz Vermelha

A Cruz Vermelha hoje com mais de 150 anos, atua em diversos setores da sociedade protegendo vulneráveis. Atua na área da educação, da saúde, na prevenção e combate à violência, na defesa do meio ambiente e no socorro à vítimas de guerras e desastres; e possui alguns princípios essenciais a sua atuação dos quais discorreremos aqui.

O primeiro deles é a Humanidade, que se refere a prestação de auxílio sem discriminação a todos os feridos nos campos de batalha e ao esforço nos âmbitos nacional e internacional, para evitar e reduzir o sofrimento humano em todas as circunstâncias. Visa proteger a vida e a saúde, assim como promover o respeito à pessoa humana. Favorece a compreensão mútua, a amizade, a cooperação e a paz duradoura entre todos os povos. Este princípio, do qual derivam todos os outros, abrange diversos conceitos: 1. O sofrimento é universal e exige uma resposta: não pode ser tratado com indiferença; 2. O respeito pela dignidade humana é primordial em tudo o que o Movimento faz; 3. Implica ajudar e proteger outras pessoas, independente de quem sejam ou do que fizeram; e 4. O Movimento protege a vida e a saúde por meio da promoção do Direito Internacional Humanitário (DIH), prevenindo desastres e doenças e realizando atividades que salvam vidas, desde primeiros socorros até o fornecimento de alimentos e abrigo.

O segundo e terceiro princípios são o da Imparcialidade e da neutralidade, que consistem na conscientização dos funcionários e voluntários da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho a se absterem do partidarismo principalmente em termos de nacionalidade, ou seja, o atendimento será equilibrado e as decisões devem ser tomadas com base “unicamente nas necessidades” e não devem ser influenciadas por considerações ou sentimentos pessoais. Estes princípios trazem uma grande responsabilidade, pois fatidicamente são o que garantem a proteção e a atuação do CICV. Se um Estado toma conhecimento de que uma instituição está se posicionando de um lado da guerra, possivelmente essa instituição será atacada durante aquele conflito e posteriormente, terá bastante dificuldade em entrar no território daquele estado, fornecer alimentos e etc. Existem ainda como princípios da Cruz Vermelha, a Independência, o voluntariado, a Unidade e a Universalidade. Que frisam sobre a importância de um serviço autônomo, gratuito e organizado em todo o mundo.

Há na famosa série de televisão "Game Of Thrones" do canal HBO, uma personagem que nos ajuda a visualizar a atuação assistencialista no contexto de guerra; Ela se chama Talisa Maegyr, uma enfermeira que aparece na segunda temporada da série, na batalha de Cruzaboi alertando ao rei Stark que para ela não existiam "nossos soldados" e que estava ali para ajudar todos os feridos sem fazer diferenciação. Salienta ainda que o soldado Lannister a quem prestou socorro na cena era apenas um pescador que tinha sido recrutado, mostrando assim sua capacidade de enxergar um ser humano dentro de cada armadura.

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As dificuldades de atuação

É notável a importância da Cruz Vermelha para a real aplicação do direito humanitário, e faz-se necessário lembrar que apesar de ser a precursora desse movimento, não é a única. A organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF), criada na França em 1971, também atua vigorosamente levando cuidados de saúde a pessoas afetadas por graves crises humanitárias e é composta por médicos e jornalistas. Essas instituições possuem uma série de dificuldades relacionadas a sua atuação, desde a implantação de missões em territórios diversas vezes resistentes, ao engajamento de pessoas nas missões, pois há um risco à vida dos funcionários por estarem no meio de uma guerra.

O medo de ataques é constante e com razão. Apesar de termos hoje certas normas internacionais que proíbem o ataque às missões de paz, temos vários exemplos que provam o contrário. Na Síria, um ataque aéreo a um hospital matou cerca de 50 pessoas, entre civis, membros da Cruz Vermelha e Do Médicos Sem Fronteiras; No Leste do Afeganistão, terroristas usaram explosivos para atacar um prédio do CICV; No Iêmen, ataques aos aeroportos dificultavam a entrega de suprimentos no país; E assim, diversos outros ataques que permanecem impunes pelas cortes internacionais.


Conclusão

Apesar do risco e das dificuldades, existem pessoas em todo o mundo dispostas a ajudar feridos e necessitados em contextos de guerra, e essas são pessoas comuns, mas que reconhecem que a guerra não foi desejada pelos indivíduos e que, como afirma Rousseau, a luta é entre estados e não entre indivíduos. Os funcionários e voluntários do CICV e do MSF são os reais aplicadores do direito internacional humanitário e ainda trabalharão incessantemente enquanto durarem os conflitos armados, para que seja restabelecida a paz. Futuramente talvez, os Estados consigam solucionar todos os seus conflitos de maneira pacífica, mas enquanto isso precisamos do direito humanitário.


Referências Bibliográficas

https://www.icrc.org/por/assets/files/publications/icrc-007-4046.pdf

https://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/entidades_aliviam_sofrimento_de_vitimas_da_guerra.html

https://mundoestranho.abril.com.br/materia/o-que-e-proibido-por-lei-durante-uma-guerra

https://pt.euronews.com/2015/02/18/cruz-vermelha-sofre-ataque-na-birmania

https://wiki.gameofthronesbr.com/index.php/Talisa_Maegyr

https://direitocastrense.blogspot.com.br/2013/05/DIH-surgimento-desenvolvimento-e-finalidade-do-direito-internacional-dos-conflitos-armados.html

https://www.gddc.pt/direitos-humanos/direito-internacional-humanitario/sobre-dih.html

https://www.dhnet.org.br/direitos/sip/dih/mono_campos_hist_dih.pdf

https://www.dhnet.org.br/direitos/sip/dih/dih/04.html

https://www.msf.org.br/quem-somos

Notas

1 https://www.dudh.org.br/declaracao/

2 https://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/direitos/tratado12.htm

3 https://www.dhnet.org.br/direitos/sip/dih/mono_campos_hist_dih.pdf

4 https://direitocastrense.blogspot.com.br/2013/05/DIH-surgimento-desenvolvimento-e-finalidade-do-direito-internacional-dos-conflitos-armados.html

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Sobre a autora
Katrine Wurlitzer

Advogada com atuação em direito civil e empresarial! Ênfase em direito digital e LGPD!

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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