Desafios da implementação da LGPD nos órgãos públicos: um caminho para a proteção de dados no Brasil

01/10/2024 às 11:44
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A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), sancionada em 2018 e plenamente vigente desde 2020, trouxe um novo paradigma para o tratamento de dados pessoais no Brasil. Inicialmente voltada ao setor privado, a LGPD também impõe obrigações significativas para órgãos públicos, o que tem gerado inúmeros desafios em sua implementação. A ideia de que o Estado, em todas as suas esferas, precisa assegurar a proteção de dados de cidadãos levanta questões complexas, sobretudo porque os serviços públicos frequentemente lidam com informações sensíveis de forma massiva e contínua.

Uma das principais dificuldades enfrentadas pelos órgãos públicos na adequação à LGPD reside na infraestrutura tecnológica e operacional. Muitos desses órgãos ainda operam com sistemas arcaicos, não preparados para garantir a segurança e o controle adequado dos dados pessoais coletados. A modernização dos sistemas e processos requer não apenas um investimento substancial em tecnologia, mas também uma mudança na cultura organizacional e na forma como as informações são tratadas no âmbito público. É necessário criar uma cultura de proteção de dados, o que inclui capacitar servidores para entenderem os riscos associados ao mau uso ou vazamento de dados pessoais e a importância do compliance com a legislação.

Outro entrave é a própria interpretação e aplicação da LGPD em contextos públicos. A lei foi desenhada inicialmente para regular as atividades do setor privado, o que faz com que algumas disposições não se encaixem perfeitamente no cotidiano dos órgãos governamentais. Isso exige um esforço adicional de adaptação, onde as características singulares do serviço público, como a necessidade de transparência e acesso à informação, precisam ser equilibradas com os direitos à privacidade e proteção dos dados dos cidadãos. Essa ambiguidade leva a interpretações variadas e, muitas vezes, a um receio por parte dos gestores públicos em tomar decisões que possam resultar em sanções futuras, caso a adequação à LGPD seja considerada inadequada.

A falta de recursos humanos especializados também representa um obstáculo importante. Para que a implementação da LGPD seja eficaz, é necessário contar com profissionais capacitados na gestão de dados e na conformidade legal, como os encarregados de proteção de dados (DPOs, na sigla em inglês). No entanto, em muitos órgãos públicos, esse perfil de profissional é escasso, e as estruturas administrativas frequentemente não estão preparadas para acomodar as novas funções que a LGPD demanda. A carência de servidores com conhecimento especializado sobre proteção de dados atrasa a conformidade e torna os órgãos mais vulneráveis a incidentes de segurança.

A complexidade da implementação da LGPD nos órgãos públicos também está atrelada ao próprio entendimento do que significa proteger dados pessoais no contexto estatal. Órgãos públicos manejam grandes volumes de dados sensíveis, como informações de saúde, segurança e registros financeiros. A responsabilidade de garantir a confidencialidade, integridade e disponibilidade dessas informações é enorme. Qualquer falha pode ter impactos devastadores, não apenas no que diz respeito à segurança dos indivíduos afetados, mas também em termos de confiança da população nas instituições públicas.

Outro fator crucial é o orçamento. Muitos municípios, estados e até mesmo órgãos federais não dispõem de verba suficiente para cumprir com as exigências da LGPD. Em tempos de austeridade fiscal, alocar recursos para adequação tecnológica, capacitação de pessoal e criação de novos processos de controle e fiscalização pode ser um desafio quase intransponível. Isso é ainda mais grave em pequenas prefeituras ou em estados com graves problemas financeiros, que se veem diante de uma legislação robusta, mas sem os meios para sua completa implementação.

Além disso, a ausência de diretrizes claras por parte da Autoridade Nacional de Proteção de Dados - ANPD contribui para as dificuldades enfrentadas na implementação da LGPD. Embora a ANPD tenha emitido algumas orientações e recomendações, muitos órgãos públicos ainda aguardam regulamentações específicas que possam facilitar sua adaptação às exigências legais. Essa incerteza não apenas gera confusão, mas também pode levar à inação por parte dos gestores públicos. Adicionalmente, a capacidade de acompanhamento e fiscalização, da ANPD, ainda está em estágio de construção.

Para superar esses desafios, é fundamental que os órgãos públicos adotem uma abordagem proativa em relação à LGPD. Isso implica investir em treinamentos regulares para servidores sobre proteção de dados e privacidade, alocar orçamentos específicos para tecnologia da informação e segurança cibernética, além de promover parcerias entre entidades públicas e privadas para compartilhar boas práticas. Estabelecer canais claros de comunicação entre a ANPD e os órgãos públicos também é essencial para esclarecer dúvidas e fornecer orientações.

Por fim, é importante destacar que a adequação à LGPD nos órgãos públicos é uma questão de longo prazo. Diferente do setor privado, onde a pressão por conformidade é mais imediata devido ao risco de sanções financeiras e à perda de reputação, o setor público enfrenta uma cobrança mais gradual. No entanto, isso não diminui a urgência da questão. A proteção de dados dos cidadãos deve ser tratada como prioridade, não apenas para evitar sanções legais, mas principalmente para garantir que o Estado desempenhe sua função de maneira ética e responsável.

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Em resumo, a implementação da LGPD nos órgãos públicos é um processo complexo, que envolve desafios técnicos, orçamentários e culturais. A modernização tecnológica, a capacitação de servidores e a criação de uma cultura de proteção de dados são passos essenciais para que o Estado se adeque à nova realidade jurídica. No entanto, é necessário que esse processo seja acompanhado de perto pela ANPD e pelos próprios gestores públicos, garantindo que os direitos dos cidadãos sejam resguardados sem comprometer a eficiência e a transparência dos serviços públicos.

Sobre o autor
Matheus de Sousa Teles

Advogado, especialista em Direito Público. Atualmente, está na Assessoria Jurídica da Secretaria da Proteção Social do Estado do Ceará, sendo responsável pela área de contratos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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