Resumo:
Este artigo analisa a decisão da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o Tema Repetitivo 1.114, que aborda a nulidade decorrente da inversão da ordem do interrogatório do réu no processo penal. A decisão esclareceu que essa nulidade pode ser arguida até as alegações finais, conforme o artigo 571, incisos I e II, do Código de Processo Penal (CPP). O estudo investiga o impacto dessa interpretação no direito processual penal, comparando o entendimento fixado com a jurisprudência anterior, além de explorar os limites da arguição de nulidades e os princípios que garantem a ampla defesa e o devido processo legal.
Introdução:
A ordem dos atos processuais no direito penal é um dos pilares para garantir o devido processo legal e a ampla defesa. O interrogatório do réu, como último ato da fase de instrução, desempenha um papel essencial na preservação desses direitos, já que ele deve ocorrer após a oitiva das testemunhas e a produção de provas. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema Repetitivo 1.114, esclareceu os limites temporais para a arguição de nulidades relacionadas à inversão da ordem do interrogatório. Este artigo visa discutir essa decisão, suas implicações na prática processual e o equilíbrio entre formalismos procedimentais e a proteção dos direitos fundamentais.
Revisão de Literatura:
1. Ordem Processual e o Interrogatório do Réu Conforme expresso no artigo 400 do Código de Processo Penal (CPP), o interrogatório do réu deve ser o último ato da fase de instrução. Segundo Renato Brasileiro de Lima (2022), essa disposição visa garantir que o acusado seja ouvido em um momento em que já teve acesso a todas as provas contra si, podendo, assim, se defender de maneira mais completa.
2. Nulidades no Processo Penal O sistema de nulidades no CPP segue o princípio do prejuízo (pas de nullité sans grief), conforme preconizado por Ada Pellegrini Grinover (2011), garantindo que a nulidade só seja reconhecida quando houver efetivo prejuízo para a defesa. A doutrina também distingue entre nulidades absolutas e relativas, sendo as últimas aquelas que podem ser sanadas se não forem apontadas nos momentos processuais adequados. Nesse sentido, o artigo 571 do CPP prevê que as nulidades da fase de instrução devem ser suscitadas até as alegações finais.
Análise:
A Terceira Seção do STJ determinou que a nulidade decorrente da inversão da ordem do interrogatório pode ser arguida até as alegações finais, em conformidade com o artigo 571, I e II, do CPP. Isso corrigiu a interpretação de que a nulidade deveria ser suscitada imediatamente após a defesa perceber a inversão na ordem das oitivas. Essa interpretação reforça o entendimento de que o prazo para arguir nulidades deve respeitar o rito processual completo, preservando o direito à defesa ampla e efetiva.
Implicações Práticas:
A decisão do STJ, ao tratar da nulidade no interrogatório do réu, segue o princípio do devido processo legal, conforme previsto no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal. Ao permitir que a nulidade seja arguida até as alegações finais, o tribunal evita formalismos que poderiam comprometer a defesa do réu. De acordo com Eugênio Pacelli (2020), o interrogatório é considerado o ápice da defesa pessoal do acusado, razão pela qual sua inversão injustificada afeta diretamente o exercício da ampla defesa.
A jurisprudência anterior do STJ, em decisões como o REsp 1.933759/PR e o REsp 1946472/PR, já apontava para a necessidade de flexibilizar prazos para a arguição de nulidades, especialmente quando há comprometimento de garantias constitucionais. O entendimento unificado no Tema 1.114 reforça essa linha de raciocínio, assegurando que a defesa possa apresentar suas contestações até a última oportunidade prevista no processo.
Conclusão:
A decisão da Terceira Seção do STJ sobre o Tema Repetitivo 1.114 reafirma a importância da ampla defesa no processo penal, ao permitir que a nulidade relativa à inversão da ordem do interrogatório seja arguida até as alegações finais. Isso contribui para a proteção dos direitos do acusado e para a preservação da integridade do devido processo legal, sem comprometer a celeridade processual. A decisão representa um avanço na jurisprudência penal brasileira, alinhando-se aos princípios constitucionais e aos entendimentos doutrinários predominantes sobre a matéria.
Referências:
BRASILEIRO, Renato de Lima. Manual de Processo Penal. 10ª ed. Salvador: Juspodivm, 2022.
GRINOVER, Ada Pellegrini. As Nulidades no Processo Penal. 12ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2020.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941.
STF. ARE 1467860. Tema Repetitivo 1.114. Superior Tribunal de Justiça, 2024.