STF consolida poderes investigatórios do Ministério Público

28/08/2024 às 20:33
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Palavras-chave: Direito Constitucional. Direito PROCESSUAL PENAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. POLICIA.



Desde 2015, no RE n. 593.727-MG, em sede de repercussão geral, cujo tema é o de n. 184, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o Ministério Público pode realizar investigações criminais. Eis a tese firmada:

O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/1994, art. 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa Instituição.

Destarte, nesse julgado o STF assentou a possibilidade de investigação penal pelos membros do Parquet, desde que observado o ordenamento jurídico.

Sem embargo, tramitava na Suprema Corte as ADI’s n. 2943, 3309 e 3318 com o mesmo objeto, qual seja, a investigação ministerial, tendo o posicionamento anterior sido reiterado em 2024, com a consolidação das seguintes teses, verbis:


1. O Ministério Público dispõe de atribuição concorrente para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado. Devem ser observadas sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais da advocacia, sem prejuízo da possibilidade do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa Instituição (tema 184); 2. A realização de investigações criminais pelo Ministério Público tem por exigência: (i) comunicação imediata ao juiz competente sobre a instauração e o encerramento de procedimento investigatório, com o devido registro e distribuição; (ii) observância dos mesmos prazos e regramentos previstos para conclusão de inquéritos policiais; (iii) necessidade de autorização judicial para eventuais prorrogações de prazo, sendo vedadas renovações desproporcionais ou imotivadas; iv) distribuição por dependência ao Juízo que primeiro conhecer de PIC ou inquérito policial a fim de buscar evitar, tanto quanto possível, a duplicidade de investigações; v) aplicação do artigo 18 do Código de Processo Penal ao PIC (Procedimento Investigatório Criminal) instaurado pelo Ministério Público; 3. Deve ser assegurado o cumprimento da determinação contida nos itens 18 e 189 da Sentença no Caso Honorato e Outros versus Brasil, de 27 de novembro de 2023, da Corte Interamericana de Direitos Humanos - CIDH, no sentido de reconhecer que o Estado deve garantir ao Ministério Público, para o fim de exercer a função de controle externo da polícia, recursos econômicos e humanos necessários para investigar as mortes de civis cometidas por policiais civis ou militares; 4. A instauração de procedimento investigatório pelo Ministério Público deverá ser motivada sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes dos órgãos de segurança pública na prática de infrações penais ou sempre que mortes ou ferimentos graves ocorram em virtude da utilização de armas de fogo por esses mesmos agentes. Havendo representação ao Ministério Público, a não instauração do procedimento investigatório deverá ser sempre motivada; 5. Nas investigações de natureza penal, o Ministério Público pode requisitar a realização de perícias técnicas, cujos peritos deverão gozar de plena autonomia funcional, técnica e científica na realização dos laudos. (g. n.)


Assim, em pronunciamento mais recente, o STF acrescentou o fato de que o Estado deve garantir ao Ministério Público, para o fim de exercer a função de controle externo da polícia, recursos econômicos e humanos necessários para investigar as mortes de civis cometidas por policiais civis ou militares, nos termos da sentença da CIDH, o que de certa forma vai de encontro das PECs que intentam constituir um Conselho Nacional de Polícia e retirar o controle externo da atividade policial da instituição ministerial.

Ademais, ao julgar as ADI’s n. 6298, 6299 e 6305 em face do Pacote Anticrime, Lei Federal n. 13.964 de 2019, a Corte Constitucional asseverou que


Considerada a frequente instauração de investigações criminais, sob outros títulos que não o de inquérito, deve ser dada interpretação conforme à Constituição aos referidos incisos, de modo a determinar que todos os atos praticados pelo Ministério Público como condutor de investigação penal se submetam ao controle judicial (HC 89.837/DF, Rel. Min. Celso de Mello) e fixar o prazo de até 90 (noventa) dias, contados da publicação da ata do julgamento, para os representantes do Ministério Público encaminharem, sob pena de nulidade, todos os PIC e outros procedimentos de investigação criminal, mesmo que tenham outra denominação, ao respectivo juiz natural, independentemente de o juiz das garantias já ter sido implementado na respectiva jurisdição. (g. n.)


Ora, nesse último caso, mesmo com o expresso reconhecimento do sistema acusatório no artigo 3º-A do Código de Processo Penal, o Tribunal Constitucional determinou a submissão de todos os atos praticados pelo MP como condutor de investigação ao controle do Poder Judiciário.

Dessa forma, podemos afirmar que a jurisprudência do STF se consolidou na possibilidade das investigações ministeriais, o que pode inclusive ensejar a edição de enunciado vinculante (CF, art. 103-A).

Aliás, as últimas ADI’s mencionadas sacramentaram a faculdade judicial de, pontualmente, nos limites legalmente autorizados, determinar a realização de diligências suplementares, para o fim de dirimir dúvida sobre questão relevante para o julgamento do mérito.

Ora, se até o magistrado pode determinar a realização de diligências, com muito mais razão o Promotor de Justiça sponte propria.

Malgrado, o Delegado de Polícia José Adonias Gomes dos Santos faz uma observação digna de nota acerca de possíveis interpretações equivocadas do texto constitucional nesse tema (2024, p. 69/71),


Aqui há um reforço ao inciso IV, parágrafo primeiro (sic), art. 144, CF, reafirmando a competência das Polícias Judiciárias dos Estados, para apurar infrações penais, demonstrando que quando a Constituição quis excepcionar, fez expressamente, como é o caso das infrações penais militares que são de competência de órgão militar (…) Dessa forma, demonstra-se que a Constituição Federal de 1988, disciplinou expressamente os órgãos com competência investigativa, elencando, de forma explícita, as exceções quando se refere às infrações penais militares, silenciando, de maneira eloquente, quanto ao órgão ministerial. (g. n.)


E mais a frente, o autor policial arremata (p. 74),

Nossa Carta Magna trouxe em seu texto a possibilidade de elaboração de inquérito civil pelo órgão ministerial, porém, quanto ao inquérito criminal, afirma que o Ministério Público deve requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, demonstrando que ao parquet não foi atribuído poder de instauração de investigação de (sic) criminal, mas apenas, o controle externo e a requisição ao órgão competente, qual seja, a polícia judiciária. (g. n.)


Outrossim, segundo o Procurador de Justiça aposentado Cezar Roberto Bitencourt (2007, p. 237), a teoria dos poderes implícitos só se aplica em casos de lacuna constitucional. Portanto, não seria o caso de ampliar as competências do Ministério Público já que houve um silêncio eloquente ou proposital.

De outro vértice, parcela da doutrina advoga a tese de que a Resolução n. 181 de 2017 do Conselho Nacional do Ministério Público seria inconstitucional. Eis as palavras novamente de Cezar Roberto Bitencourt (2007, p. 11/12) em outro excerto acadêmico:


No entanto, a inconstitucionalidade dessa Resolução é inquestionável, posto que, escancaradamente, viola o art. 22, I, da Carta Magna Brasileira ao legislar em matéria processual penal. Em verdade, a dita Resolução pretende regulamentar dispositivos de Lei que não tratam de poderes investigatórios do Ministério Público; ou seja, não se trata de regulamentação in casu, mas de verdadeira criação de poderes investigatórios em favor do órgão ministerial, ao arrepio do texto constitucional (…) Por outro lado, o Conselho Nacional do Ministério Público não tem legitimidade para “legislar” sobre a matéria (…) Há claramente, como se pode constatar, invasão da reserva constitucional atribuída, com exclusividade, ao Poder Legislativo da União, fonte única de normas processuais, como já registramos. (g. n.)



Nesse ponto, encontramos dificuldade em concordar com o autor, haja vista que o poder regulamentar do CNMP, órgão federal, decorre do artigo 130, § 2º, da Constituição Federal, sendo considerado ato normativo primário pelo STF.

Nesse particular, de acordo com o Procurador Municipal Roberto Wagner Lima Nogueira,


Dentro destas premissas, plenamente constitucional é o conteúdo da Resolução 7 do Conselho Nacional de Justiça, já que trata de ato normativo primário em consonância com seu fundamento de validade, qual seja, mais especificamente, a cabeça do artigo 37 da Constituição Federal, que trata, entre outros princípios, da impessoalidade, eficiência e moralidade administrativa. A lei é o protótipo (expressão cunhada pelo ministro Ayres Britto) do ato normativo primário, até mesmo pela dicção do artigo 5º, II, da Constituição Federal. Porém, há temperamentos. Não só a lei veicula atos normativos primários. Existem outros instrumentos jurídicos espraiados pelo texto constitucional, que também são introdutores de diplomas normativos primários no ordenamento pátrio. Insista-se neste ponto, o conceito de legalidade é densificado, ou amplificado, de maneira que não só a lei introduz normas gerais, abstratas e impessoais no ordenamento jurídico, podendo também aquelas exceções já citadas no voto do ministro Ayres Brito introduzirem normas jurídicas gerais, abstratas e impessoais, ou noutro dizer, atos normativos primários. A Resolução 7 do Conselho Nacional de Justiça, por ser um ato normativo primário, isto é, instrumento jurídico que retira o seu fundamento de validade do próprio texto constitucional, pode dispor sobre a vedação do nepotismo no Judiciário independente de lei, já que a resolução tem a mesma natureza jurídica de uma lei, qual seja, ambos são atos normativos primários. (g. n.)

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Por conseguinte, com base nesse entendimento, o fundamento da Resolução 181 de 2017 do CNMP decorreria diretamente do artigo 129 da Constituição de Outubro, sendo por isso calmamente constitucional.

Lado outro, os Delegados de Polícia Nilton César Boscaro e Higor Vinícius Nogueira Jorge (2024, p. 144/149), após referenciarem Francisco Sannini Neto, Luiz Flávio Gomes, Fábio Scliar e Bruno Taufner Zanotti, em relação ao poder de requisição ministerial, concluem que


Ao receber (as supostas) requisições ministeriais de instauração de inquérito policial pugnando pela realização de diligências investigativas, o Delegado de Polícia Judiciária fará ,nos termos da lei e dos princípios gerais do direito, o seu juízo de valor e decidirá pelo acatamento ou não das respectivas “solicitações”.



Nesse ponto, os autores beiram à heresia, já que o texto constitucional é claro em afirmar ser função institucional do Ministério Público “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial”, não havendo margem para qualquer interpretação diversa como a proposta pelos policiais.

É aqui que desponta certa hipocrisia acadêmica, pois, da mesma forma que se defende que se o constituinte quisesse ter criado a investigação criminal ministerial o teria feito de forma expressa, também se quisesse que as “requisições” não fossem vinculantes igualmente teria realizado de forma expressa, utilizando as palavras “sugestão” ou “solicitação”.

A questão de haver hierarquia não possui nenhuma relação com o cumprimento de disposições constitucionais, que são imperativas.

Sem embargo, segundo obtempera o Ministro do STF Luís Roberto Barroso (2022. p. 295),


As normas constitucionais são espécies de normas jurídicas. Aliás, a conquista desse status fez parte do processo histórico de ascensão científica e institucional da Constituição, libertando-a de uma dimensão estritamente política e da subordinação ao legislador infraconstitucional. A Constituição é dotada de força normativa e suas normas contêm o atributo típico das normas jurídicas em geral: a imperatividade. Como consequência, aplicam-se direta e imediatamente às situações nelas contempladas e sua inobservância deverá deflagrar os mecanismos próprios de sanção e de cumprimento coercitivo. (g. n.)

Concluindo, não vemos razão para tamanha celeuma doutrinária por parte das autoridades policiais, já que a investigação ministerial ocorrerá mormente em casos envolvendo policiais no exercício do controle externo constitucional, já que a tão almeja imparcialidade somente pode ocorrer quando um órgão apura fatos ocorridos noutro órgão, evitando-se assim o corporativismo que tem sondado, verbi gratia, os órgãos do Poder Judiciário na solução de casos envolvendo magistrados.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 9. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

BITENCOURT, Cezar Roberto. A Inconstitucionalidade dos Poderes Investigatórios do Ministério Público. Revista Brasileira de Ciências Criminais n. 66, v. 15, 2007.

BITENCOURT, Cezar Roberto. A Inconstitucionalidade da resolução n. 13 do Conselho Nacional do Ministério Público. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 14, n. 170, 2007.

JORGE, Higor Vinícius Nogueira. Polícia Judiciária e Ministério Público – Uma Relação de Interdependência Funcional no Sistema de Justiça Criminal. São Paulo: JusPodivm, 2024.

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima Nogueira. Resolução do CNJ e lei são atos normativos primários. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2006-fev-21/resolucao_cnj_lei_sao_atos_normativos_primarios/

Sobre o autor
Celso Bruno Abdalla Tormena

Criminólogo e Mestrando em Direito. Procurador Municipal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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