Capa da publicação A nova Lei Sargento PM Dias (Lei nº 14.843/24) e seus desdobramentos jurídicos acerca da saída temporária de detentos.

A nova Lei Sargento PM Dias (Lei nº 14.843/24) e seus desdobramentos jurídicos acerca da saída temporária de detentos.

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Resumo:

O projeto de Lei n. 2.253/2022, que posteriormente transformou-se na Lei n. 14.843/24, aprovada pelo congresso nacional e publicada no dia 11 de abril de 2024, propõe alterações de restrição da saída temporária de presos, como medida de política criminal. O problema da proposta legislativa está centrada na saída temporária, que está prevista no artigo 122 da Lei n. 7.210/84. Objetiva-se, portanto, analisar as medidas que foram propostas pela nova lei, com fulcro principal nas saídas temporárias de detentos, discutindo suas potenciais consequências para o sistema prisional e a sociedade, bem como suas implicações legais e éticas. A metodologia utilizada foi a exploratória mediante a análise doutrinária bem como de revistas e artigos científicos e na legislação. O estudo traz duas hipóteses: a primeira, de uma alteração legislativa que pode reduzir a reincidência criminal, já que, com a restrição às saídas, os presos não poderiam cometer novos crimes em períodos específicos, como feriados e datas comemorativas. Por outro lado, há a problemática da ressocialização dos detentos, que ficaria prejudicada, porque o poder público impedirá o direito dos presos retornarem progressivamente na sociedade, retardando a reintegração social dos apenados.

Palavras chave:

Saídas temporárias; ressocialização; reincidência criminal; execução penal; Direito penal; sistema carcerário.

Abstract:

Bill No. 2.253/2022, which later became Law No. 14.843/24, approved by the national congress and published on April 11, 2024, proposes changes to restrict the temporary release of prisoners, as a criminal policy measure. The problem of the legislative proposal is centered on the temporary exit, which is provided for in article 122 of Law No. 7210/84. Therefore, the objective is to analyze the measures that were proposed by the new law, with the main focus on the temporary exits of inmates, discussing their potential consequences for the prison system and society, as well as their legal and ethical implications. The methodology used was exploratory, through doctrinal analysis, as well as from scientific journals and articles, and legislation. The study comes up with two hypotheses: The first is a legislative change that may reduce criminal recidivism, since, with the restriction on departures, prisoners could not commit new crimes during specific periods, such as holidays and commemorative dates. On the other hand, there is the problem of the resocialization of prisoners, which would be jeopardized, because the public authorities will prevent the right of prisoners to progressively return to society, delaying the social reintegration of prisoners.

Keywords:

Temporary departures; resocialization; criminal recidivism; penal enforcement; Criminal law; prison system.

  1. Introdução

Este estudo tem o intuito de apurar elementos para um entendimento mais detalhado acerca das alterações que a Lei n. 14.843/24 trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro e, para isso, valeu-se de metodologia exploratória de pesquisas em artigos científicos diversos, análises doutrinárias, bem como revistas científicas e na legislação s. Esta pesquisa, apesar de inesgotada - pois trata-se de conteúdo demasiado extenso - busca ser uma fonte de conteúdo também a outros pesquisadores acerca dos ditames doutrinários e legais sobre as saídas temporárias de detentos.

Através desta pesquisa, será analisado que o sistema prisional brasileiro tem sido objeto de discussões incessantes quanto às políticas e medidas necessárias para promover não apenas a punição, mas também a ressocialização dos indivíduos que cumprem penas privativas de liberdade, como aponta Zaffaroni (2001). Nesse sentido, a Lei nº 14.843, de 11 de abril de 2024, que trata sobre a saída temporária de presos e altera vários dispositivos da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) nasceu pelo desejo de tentar acabar com as saídas temporárias de presos no Brasil.

Além disso, a Lei nº 14.843/24 foi sancionada, inicialmente, com vetos do Presidente da República, que limitavam o alcance das proibições aprovadas pelo poder legislativo. Apesar de, inicialmente, essa lei tratar sobre a proibição definitiva da saída temporária, não foi isso o que pretendeu o Presidente da República, que vetou a principal parte do projeto, que tratava sobre as saídas temporárias. O que era o projeto de Lei nº 22.53/2022, se transformou na Lei nº 14.843/24, promulgada com vetos parciais, que foram posteriormente derrubados pelo Congresso Nacional e publicada a Lei automaticamente.

Assim, torna-se imprescindível compreender não apenas os fundamentos e objetivos da Lei nº 14.843/24, mas também avaliar criticamente os possíveis impactos negativos e positivos que a sua implementação poderá acarretar na ressocialização dos presos. Por conseguinte, ao abordar os desafios da ressocialização no contexto prisional e examinar os potenciais efeitos adversos da proibição da saída temporária de detentos, busca-se contribuir para uma reflexão mais ampla e embasada sobre as medidas necessárias para promover uma justiça criminal eficaz e humanitária na sociedade.

  1. Contextualização da saída temporária como instrumento de ressocialização.

É fundamental compreender a saída temporária como um instrumento estratégico dentro do contexto da ressocialização de indivíduos privados de liberdade. A saída temporária, embora muitas vezes controversa, representa uma tentativa do sistema prisional de proporcionar aos detentos uma experiência gradativa de reintegração à sociedade.

Ao longo das últimas décadas, a perspectiva punitivista do sistema carcerário tem sido questionada, com uma crescente ênfase na ressocialização como meio de prevenir a reincidência criminal (Zaffaroni, 2001). Nesse sentido, a saída temporária insere-se como uma oportunidade para que os presos mantenham laços familiares, busquem emprego e participem de atividades sociais, facilitando sua reintegração efetiva à comunidade.

Além disso, as hipóteses que autorizam a saída temporária são taxativas e estão todas previstas expressamente no artigo 122 da Lei de Execução Penal (nº 7.210/84). Dessa forma, o condenado que esteja em regime semi-aberto poderá ter o benefício da saída temporária concedido para: a) visita à família; b) frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução; e c) participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social (BRASIL,1984).

É importante ressaltar que a saída temporária não é um benefício concedido de forma indiscriminada, mas, sim, uma medida que exige critérios rigorosos e acompanhamento por parte das autoridades competentes, além de só poder ser deferida por decisão devidamente fundamentada do juiz da Execução Penal (BRASIL, 1984).

Apesar da lei ter sido aprovada pelo Congresso Nacional, o presidente da república decidiu por vetar alguns dispositivos da lei, como é o caso do veto à proibição da saída para visita à família que, inclusive, vale destacar a fala do ministro da justiça e segurança pública (MJSP), Ricardo Lewandowski:

[...] A proibição de visita às famílias dos presos que já se encontram no regime semiaberto atenta contra valores fundamentais da Constituição, como o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da individualização da pena e a obrigação do Estado de proteger a família[...]

Além disso, o veto do presidente da república foi apoiado pelo Conselho Nacional de Política Criminal (SENAPPEN), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), através da nota técnica nº 1/2024/CNPCP/MJ a seguir:

[...]Este Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), a quem incumbe “propor diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito, administração da Justiça Criminal e execução das penas e das medidas de segurança” (art. 64, inc. I, da LEP), entende que as razões invocadas para o veto são pertinentes e justificam a sua manutenção[...]

No Brasil, conforme previsto no artigo 122 da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), tinha direito à saída temporária os presos que cumpriam pena em regime semi-aberto. Ainda assim, frisa-se que a concessão de saída temporária não era um direito automático do preso, mas, sim, uma medida que dependia da análise individual do caso e do cumprimento dos requisitos legais, que eram estabelecidos pelo juiz competente da execução penal.

Além disso, a saída temporária possui respaldo legal no ordenamento jurídico brasileiro, estando prevista na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984). Essa legislação estabelece os requisitos e os procedimentos para a concessão da saída temporária, bem como as condições para seu usufruto, visando assegurar que essa medida seja aplicada de maneira justa e equitativa.

Apesar de a proibição de saídas temporárias ter sido vetada pelo Presidente da República, o Congresso Nacional, utilizando-se de seu poder de contramedida, realizou uma reunião que decidiu pela derrubada do veto presidencial às proibições de saidinhas. Agora, não existe mais a possibilidade de saidinhas para detentos em datas comemorativas, como dia das mães ou natal, ficando apenas a possibilidade de saídas para estudos, seja ensino médio, gradual ou profissionalizante (BRASIL, 2024).

Portanto, ao analisar a saída temporária como instrumento de ressocialização, é essencial reconhecer seu potencial para promover a reintegração dos detentos à sociedade, desde que acompanhada de políticas públicas eficazes de apoio e reinserção, assim como de um sistema prisional que valorize a dignidade humana e os direitos fundamentais dos indivíduos encarcerados.

No atual arcabouço normativo que caracteriza o sistema penal brasileiro, a temática da ressocialização desponta como um dos pilares basilares, desdobrando-se em uma intrincada tapeçaria de fundamentos e objetivos que não apenas delineiam, mas também encorpam a finalidade primordial do ordenamento jurídico no tratamento dos indivíduos submetidos à sua jurisdição. Como assevera Luiz Flávio Gomes, jurista brasileiro, em sua obra "Direito Penal - Parte Geral" (2016), a ressocialização emerge como um princípio basilar do direito penal moderno, sendo um dos instrumentos primordiais para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.

Nesse contexto, é necessário compreender os fundamentos que sustentam essa concepção ampla e abrangente da ressocialização. Segundo Michel Foucault, em sua obra "Vigiar e Punir" (1975), a ressocialização surge como uma resposta às falhas do modelo penitenciário tradicional, que se revela mais voltado para a repressão e a exclusão do que para a reintegração social do indivíduo.

Há também que se falar sobre a precariedade do sistema carcerário brasileiro, que já foi, inclusive, denominado de “estado de coisas inconstitucional” pelo supremo tribunal federal no julgamento da ação direta de descumprimento de preceito fundamental (ADPF - 347). Na ocasião, os ministros utilizaram-se de um termo usado pela suprema corte da Colômbia, em que expressava as seguintes situações:

violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais; inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura; transgressões a exigir a atuação não apenas de um órgão, mas, sim, de uma pluralidade de autoridades [...]

Sob essa ótica, a ressocialização apresenta-se como uma expressão necessária para o respeito à dignidade humana, corroborando com os ideais humanistas que permeiam o ordenamento jurídico brasileiro.

Além disso, a ressocialização encontra respaldo nos preceitos da justiça restaurativa, conceito esse discutido por Nils Christie, criminologista norueguês, em sua obra "Conflicts as Property" (1977), e, posteriormente, difundido por autores como Vânia Regina Carvalho do Amaral e Márcio Marques, no contexto brasileiro. A justiça restaurativa preconiza a reparação dos danos causados pela conduta delituosa não apenas para com a vítima, mas também para com a comunidade como um todo, proporcionando uma oportunidade de reconstrução dos laços sociais rompidos pelo crime.

Ademais, a ressocialização insere-se em um contexto mais amplo de promoção da cidadania e dos direitos fundamentais, conforme discutido por Roberto Da Matta, antropólogo brasileiro, em diversas de suas obras, como "A Casa & a Rua: Espaço, Cidadania, Mulher e Morte no Brasil" (1985). De acordo com Gomes; Zackseski(2016), citado por Silva; Azevedo(2023), ao investir na reinserção social dos apenados, como previa uma determinação do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI) de 2007, o sistema penal brasileiro busca não apenas reduzir os índices de criminalidade, mas também aprimorar as condições de vida da população carcerária, oferecendo condições dignas para a convivência interna, em consonância com os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, consagrados na Constituição Federal de 1988.

Diante desse quadro, os objetivos da ressocialização no contexto do sistema penal brasileiro revelam-se multifacetados e complexos, alinhando-se não apenas à perspectiva retributiva da justiça criminal, mas também à concepção de uma justiça restaurativa e inclusiva. Como salientado por Baratta (2014), tais objetivos abrangem desde a reinserção social do apenado por meio de programas educacionais, profissionalizantes e de assistência psicossocial, até a promoção da cultura de paz e da não violência, visando à construção de uma sociedade mais justa, solidária e respeitosa dos direitos humanos.

Assim, a ressocialização no contexto do sistema penal brasileiro se erige como um desafio constante e premente, demandando não apenas ações pontuais e paliativas, mas, sobretudo, uma abordagem holística e sistêmica, que leve em consideração as múltiplas dimensões do fenômeno criminal e as particularidades de cada sujeito envolvido. Somente por meio de um esforço conjunto e coordenado entre o Estado, a sociedade civil e demais atores envolvidos no sistema de justiça penal será possível alcançar os elevados desígnios da ressocialização e, dessa forma, edificar uma sociedade mais justa, humana e solidária para as gerações presentes e futuras.

  1. Benefícios da Saída Temporária

A saída temporária, conforme prevê a Lei de Execução Penal, se estabeleceu como uma ferramenta fundamental no processo de ressocialização dos indivíduos privados de liberdade. Assim, da exposição de motivos da Lei de Execução Penal, extrai-se o seguinte fundamento:

131. Na lição de Elias Neuman, as autorizações de saída representam um considerável avanço penalógico e os seus resultados são sempre proveitosos quando outorgados mediante bom senso e adequada fiscalização (BRASIL, 1984).3

Dessa forma, em diversos países, incluindo o Brasil, essa prática tem sido adotada como parte integrante das políticas de execução penal, devido aos inúmeros benefícios que proporciona tanto para os presos quanto para a sociedade, já que as saídas temporárias servem, em tese, para reaproximar do convívio social aqueles indivíduos que cometeram algum tipo de crime, o que visa reduzir a reincidência criminal.

Conforme salientado por CARMO (2021), a saída temporária visa, primordialmente, oferecer ao apenado a oportunidade de manter laços familiares e comunitários, além de possibilitar sua participação em atividades laborais e educacionais fora do ambiente prisional. Este viés é corroborado por Zaffaroni (2001), que ressalta a importância da saída temporária como uma medida que visa restaurar a conexão do preso com a sociedade e promover sua reintegração gradual e responsável.

Um exemplo concreto dos benefícios da saída temporária é a oportunidade que proporciona ao preso de restabelecer vínculos familiares e afetivos. Segundo Foucault (1975), a família desempenha um papel fundamental na vida do indivíduo, sendo essencial para sua integração social e emocional. Nesse sentido, a saída temporária permite que esses laços sejam fortalecidos, possibilitando momentos de convívio e interação que são essenciais para o bem-estar emocional e psicológico tanto do preso quanto de seus familiares.

Além disso, como aponta Pereira (2018), a saída temporária proporciona ao preso a oportunidade de participar de atividades laborais e educacionais fora do cárcere. Estas atividades são cruciais para o desenvolvimento pessoal e profissional do indivíduo, preparando-o para sua reintegração no mercado de trabalho e para a vida em sociedade após o cumprimento da pena. Por exemplo, um detento que participa de um programa de capacitação profissional durante sua saída temporária pode adquirir novas habilidades e competências que serão úteis para sua reinserção no mercado de trabalho, reduzindo, assim, as chances de reincidência criminal.

Outro benefício importante da saída temporária é a oportunidade que oferece ao preso de vivenciar situações cotidianas e interagir com a sociedade de forma mais ampla. Como destaca Ferrajoli (2002), a reintegração social do apenado é essencial para a efetivação de seus direitos fundamentais e para a promoção da justiça social. Durante sua saída, o detento pode participar de eventos culturais, frequentar espaços públicos e estabelecer contatos sociais que são fundamentais para sua reintegração social. Essas experiências contribuem para o desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais essenciais, tais como a capacidade de comunicação, resolução de conflitos e tomada de decisões, que

são fundamentais para uma reinserção bem-sucedida na sociedade.Ademais, há de se notar que as saídas temporárias contribuem para que os presos possam ter acesso gradual ao mundo exterior, o que auxilia no processo de ressocialização, pois é durante as saidinhas que os presos têm a oportunidade de conviver brevemente com seus amigos e familiares, reincluindo-o aos poucos na comunidade (COSTA, 2024). Além disso, segundo Silva (2016), ao proporcionar ao preso a oportunidade de refletir sobre suas escolhas e comportamentos, a saída temporária estimula o processo de autoconhecimento e autocrítica, levando o indivíduo a buscar alternativas mais saudáveis e construtivas para sua vida após o cumprimento da pena. Por exemplo, um detento que utiliza sua saída temporária para participar de atividades de assistência social ou voluntariado pode desenvolver um senso de responsabilidade e empatia que o ajudará a evitar comportamentos criminosos no futuro.

Dessa forma, mostra-se que a saída temporária desempenha um papel fundamental no processo de ressocialização do preso e na redução da reincidência criminal. Proibir essa prática seria não apenas um retrocesso no sistema penal, mas também um prejuízo para a sociedade como um todo. Por isso, é essencial que as políticas penitenciárias priorizem a promoção da ressocialização e o uso responsável da saída temporária como parte integrante desse processo.

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  1. Análise das principais alterações propostas pelo Projeto de Lei nº 2.253/2022.

Torna-se crucial examinar as principais alterações que foram propostas pelo Projeto de Lei nº 2.253/2022, que culminou nas alterações referentes à saída temporária dos presos. Ao analisar as mudanças trazidas, é fundamental considerar seus possíveis impactos no sistema prisional, na segurança pública e nos direitos dos detentos. Assim, segue as principais alterações e suas implicações:

Uma das principais alterações que foram promovidas pela lei sargento PM Dias, foi justamente sobre o instituto das saídas temporárias, razão pela qual tornou-se o ponto focal desta análise. Dessa forma, como visto anteriormente, o presidente da república vetou algumas das principais alterações que a lei trouxe sobre as saídas temporárias e deixou o artigo 122 da Lei de Execução Penal, que trata das saídas temporárias, com a seguinte alteração:

§ 2º Não terá direito à saída temporária de que trata o caput deste artigo ou a trabalho externo sem vigilância direta o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo ou com violência ou grave ameaça contra pessoa.

§ 3º Quando se tratar de frequência a curso profissionalizante ou de instrução de ensino médio ou superior, o tempo de saída será o necessário para o cumprimento das atividades discentes. 

Assim, o Presidente da República manteve as hipóteses que autorizavam as saídas temporárias que já constavam no artigo 122 da LEP, quais sejam: I - visita à família; II - frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução; e III - participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social (BRASIL, 1984).

No entanto, como fora apresentado anteriormente, o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial, voltando a proibir as hipóteses que autorizam as saídas temporárias para visitas à família e mantendo apenas as saídas para frequentar curso supletivo profissionalizante, bem como instrução de 2º grau ou superior, na comarca do Juízo da Execução (BRASIL, 2024).

Portanto, pode-se perceber que, apesar de ele, o Presidente da República, ter vetado a principal proposta, que foi posteriormente resgatada pelo Congresso, ele ainda sancionou o § 2º que, na redação original, proibia a saída apenas para aqueles que praticassem crimes hediondos e, agora, com a nova redação, proíbe também para aqueles indivíduos que praticaram crimes com violência ou grave ameaça à pessoa, mesmo que não hediondo.

Por outro lado, levando-se em consideração que o regime de cumprimento de pena no Brasil é progressivo, ou seja, o regime de pena começa no fechado (não necessariamente), após é encaminhado para o regime semiaberto e, somente depois, vai para o aberto, conforme dispõe o artigo 112 da Lei de Execução Penal (LEP) e o Código Penal Brasileiro - há de se levar em consideração o que a lei também poderia tratar, já que o projeto de lei Projeto de Lei 2.253/2022, limitou-se a tratar sobre poucos assuntos da LEP, especialmente sobre as “saidinhas”. Assim, note-se as alterações que poderiam ser incluídas:

Restrição dos tipos de crimes elegíveis: O projeto de lei poderia propor restrições quanto aos tipos de crimes que permitem a concessão de saída temporária. Isso poderia envolver a exclusão de crimes considerados mais graves, como homicídio qualificado, tráfico de drogas ou crimes hediondos, da possibilidade de acesso à saída temporária.

Aumento do tempo mínimo de cumprimento da pena: Uma possível alteração seria o aumento do tempo mínimo de cumprimento da pena para que um preso em regime semiaberto possa solicitar a saída temporária. Isso poderia significar que os detentos teriam que esperar um período mais longo antes de acessarem esse benefício.

Redução do número de saídas temporárias por ano: seria melhor se o projeto de lei reduzisse o número de saídas temporárias permitidas por ano para os presos em regime semiaberto. Isso poderia ser feito estabelecendo um limite máximo de saídas temporárias por período, visando controlar o acesso excessivo a esse benefício.

Fortalecimento do monitoramento durante a saída temporária: Uma possível alteração seria o fortalecimento do monitoramento eletrônico durante a saída temporária, por meio do uso obrigatório de tornozeleiras eletrônicas ou dispositivos similares. Isso poderia aumentar a segurança dos detentos e da comunidade durante o período de liberdade temporária.

Ampliação dos critérios de avaliação para concessão de saída temporária: O projeto de lei pode, ainda, trazer uma ampliação dos critérios de avaliação para concessão de saída temporária, levando em consideração aspectos como participação em programas de ressocialização, bom comportamento carcerário e perspectivas de reinserção social.

É importante ressaltar que cada uma dessas mudanças teria implicações específicas no sistema prisional e na sociedade, e que qualquer alteração nesse sentido deve ser cuidadosamente avaliada pelos seus idealizadores, que são os parlamentares do congresso nacional, quanto aos seus impactos e consequências sob um estudo de viabilidade legislativa.

  1. Fundamentos da Ressocialização:

A ressocialização do apenado é um dos pilares fundamentais do sistema penal contemporâneo, sendo compreendida como um processo complexo e multidimensional, que busca, através das saídas temporárias, reintegrar aqueles indivíduos que transgrediram a lei à sociedade (Mirabete; Fabbrini, 2023). Nesse sentido, extraímos a seguinte lição de Mirabete:

A opinião doutrinária é unânime em considerá-las como muito benéficas para a ressocialização dos presos, e a resolução aprovada pelo 1º Congresso Internacional de Defesa Social, celebrado em San Remo (Itália), preconizou: As permissões de saída e as visitas externas devem conceder-se aos presos sempre que estas medidas não representem perigo para a sociedade e sejam proveitosas para sua reabilitação.

E, conforme destacado por autores como Zaffaroni (2001) e Foucault (1975), a ressocialização não se resume simplesmente à aplicação de uma pena, mas representa um compromisso do Estado em proporcionar ao indivíduo privado de liberdade as condições necessárias para sua reinserção digna e efetiva na sociedade. Nesse sentido, a punição deve ser entendida não apenas como uma forma de retribuição pelo delito cometido, mas como uma oportunidade de transformação e reconstrução do projeto de vida do apenado.

Para tanto, é imprescindível que o sistema penal adote uma abordagem humanista e individualizada, considerando as particularidades de cada preso e oferecendo-lhe oportunidades de educação, trabalho e assistência psicossocial. Como ressalta Foucault (1975), a ressocialização não deve se restringir apenas ao período de reclusão, mas deve ser um processo contínuo que acompanhe o indivíduo ao longo de toda sua trajetória, desde a prisão até sua reintegração plena na comunidade.

  1. Possíveis impactos da Proibição da Saída Temporária:

A proibição da saída temporária em feriados e datas comemorativas, conforme proposto pelo Projeto de Lei n. 2.253/22, que se transformou na Lei n. 14.843/24, pode acarretar uma série de impactos negativos no processo de ressocialização do preso e na sua reintegração à sociedade. Em primeiro lugar, a restrição do convívio social e familiar durante períodos importantes podem aumentar o sentimento de isolamento e desamparo do apenado, comprometendo sua saúde mental e emocional.

Do ponto de vista jurídico, a proibição da saída temporária suscita questionamentos acerca da compatibilidade com os princípios fundamentais do sistema penal, tais como o respeito à dignidade da pessoa humana e o direito à ressocialização. Conforme salienta Bartz (2021), é necessário ponderar os direitos individuais do preso em relação aos interesses da sociedade, buscando-se sempre o equilíbrio entre a punição e a reintegração social. Sob uma perspectiva criminológica, a eficácia da proibição da saída temporária como medida de prevenção da criminalidade é questionável, uma vez que não aborda as causas estruturais do delito, como a falta de oportunidades sociais e econômicas para determinados grupos vulneráveis (Ferreira, 2019).

Conforme destacado por Silva (2018), o contato com familiares e amigos durante a saída temporária é essencial para o processo de reinserção do preso, pois proporciona-lhe apoio emocional e afetivo, além de possibilitar a manutenção de laços afetivos e a construção de uma rede de suporte fora do cárcere. A ausência dessas experiências positivas fora do ambiente prisional pode contribuir para o aumento da reincidência criminal, uma vez que o preso não terá a oportunidade de desenvolver habilidades sociais e emocionais que facilitem sua reintegração na sociedade.

Ademais, a proibição da saída temporária pode agravar ainda mais a superlotação e a tensão nos estabelecimentos prisionais, uma vez que os presos ficarão privados de momentos de alívio e convívio social fora do cárcere. Como ressalta Figueiredo (2015), a superlotação e as condições precárias de vida no cárcere são fatores que contribuem significativamente para o aumento da violência e da criminalidade dentro das prisões, além de dificultar o trabalho de ressocialização realizado pelos órgãos competentes.

Por outro lado, há aqueles que defendem a proibição do direito às “saidinhas”, como é o caso dos deputados que apresentaram o projeto de lei aos seus pares para votação no Congresso Nacional. Anteriormente, o Projeto de Lei n. 2.253/2022 (que posteriormente transformou-se na Lei n. 14.843/24) seguia seu trâmite sob a relatoria do senador Flávio Bolsonaro. No entanto, após a morte de um sargento da polícia militar de minas gerais, por um indivíduo proveniente do sistema penitenciário e que estava usufruindo de uma saída temporária, aclamaram-se os ânimos sociais, que deram urgência para que o projeto de lei fosse aprovado.

Após a morte do sargento Dias no dia 05 de janeiro de 2024, que inclusive deu nome à Lei n. 14.843/24, o projeto de lei ganhou mais visibilidade social e o seu relator passou a ser o deputado Guilherme Derrite (PL) que deu urgência ao Projeto de Lei que foi aprovado pelo congresso nacional e publicado no dia 11 de abril de 2024. Com isso, os defensores da referida Lei sustentam que a extinção das saídas temporárias acarretaria em uma redução da reincidência criminal, uma vez que os presos estariam impedidos de saírem às ruas e, dessa forma, não haveria a possibilidade de cometerem novos crimes nas ruas, no gozo de saídas temporárias.

Apesar de o homicídio do PM Dias ter sido cometido por um egresso do sistema penitenciário, numa saída temporária, este é um fato isolado, exceção que comprova a regra - pois, segundo dados divulgados pelo Ministério da Justiça, a grande maioria dos detentos retornaram das saidinhas no prazo estabelecido e sem cometer faltas. Além disso, informações trazidas pela Secretaria Nacional de Políticas Penitenciárias (SENAPPEN), do Ministério da Justiça, apontam que, no primeiro semestre de 2023, 120.244 presos receberam o benefício da saída temporária e, desses, apenas 7.630 presos se atrasaram ou cometeram alguma falta durante o período da saída, ou seja, apenas 6,3% dos detentos causaram algum tipo de problema durante a saída (SENAPEN, 2023).

Dessa forma, torna-se desproporcional, tendo em vista o impacto que causaria na ressocialização dos detentos, proibir a saída temporária de todos os detentos pela falta de alguns poucos que causarem problemas. O ideal seria punir, isoladamente, aqueles que transgredirem a lei durante as saídas e não “passar uma régua”4 e punir todos aqueles detentos de forma igual pelas faltas cometidas por outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de tudo o que foi apresentado, ficou demonstrado que a ressocialização dos detentos é tão importante quanto a prevenção à reincidência criminal para o sistema prisional. Antes de discutir a possibilidade de extinguir as saídas temporárias, deve-se analisar os impactos que essa alteração legislativa causaria na ressocialização dos apenados, pois o convívio social deles (os detentos) ficaria prejudicado e os índices de criminalidade tenderiam a subir.

Apontar a proibição das saídas temporárias como forma de reduzir a reincidência criminal, é usar um motivo fora da realidade, pois, como foi apresentado, os baixos índices de reincidência durante as saídas temporárias não justificam a sua extinção. Ao passo que a sua manutenção se torna mais viável, já que garantir a reinserção social dos apenados é um direito dos detentos e um dever do Estado. A ressocialização dos detentos é, sem dúvidas, uma pauta que deve ser levada em consideração nas decisões estatais tomadas pelos parlamentares, principalmente quando versem sobre a restrição de direitos dos apenados.

Além disso, quanto às alterações que foram aprovadas pelo Congresso Nacional, o Presidente da República decidiu vetar a maioria delas, pois entendeu que tais modificações na Lei de Execução Penal eram inconstitucionais e impertinentes. Dessa forma, em um primeiro momento, a partir do veto presidencial, as saidinhas de detentos permaneceriam para visitas às famílias em datas comemorativas, como dia das mães e natal. No entanto, após alguns dias e depois de muitas discussões entre os congressistas, o veto do Presidente da República foi finalmente derrubado, aprovando o texto final da Lei n. 14.843/24 que proíbe a saída de detentos para visitas à família em datas comemorativas. a

Conforme foi apresentado no transcorrer desta pesquisa, as saídas temporárias não servem apenas para dar mais liberdade aos presos, como muitos pensam. Elas servem, sim, como instrumento eficaz de reintegração gradativa dos detentos ao convívio social. As saídas temporárias se tornaram medidas humanitárias, como forma de um pequeno alívio aos detentos que convivem em um sistema carcerário precário e a sua extinção não tem, sequer, relação com a redução da reincidência criminal, quiçá a eleva.

Portanto, após toda a reviravolta que houve para obter a aprovação da Lei Sargento PM Dias, com as modificações na Lei de Execução Penal, e tendo o Presidente da República vetado os dispositivos que revogaram as autorizações de saídas temporárias, o Congresso Nacional, após ampla discussão, derrubou os vetos presidenciais. Assim, ficam revogados, definitivamente, na Lei de Execução Penal, os dispositivos que autorizavam as saidinhas de presos para atividades recreativas de ressocialização em datas comemorativas específicas.

REFERÊNCIAS

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BEATRIZ, Adyel. As “saidinhas” no centro da arena política. Rede de observatórios de segurança. Disponível em: <https://observatorioseguranca.com.br/as-saidinhas-no-centro-da-arena-politica/> acesso em: 05 maio 2024.

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  1. ....

  2. .....

  3. Item apresentado na exposição de motivos da Lei n.7.210/84.

  4. De acordo com a teoria do homem médio, existiria uma régua social onde todos os indivíduos deveriam se adequar a ela - essa teoria atualmente está obsoleta, pois fere a individualização das penas.

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Sobre os autores
Alexandre Coelho Ferreira

Graduando em Direito pela UNITINS – Universidade Estadual do Tocantins.

Neide Aparecida Ribeiro

Doutora em Educação (UCB). Mestre em Direito Público (UFG). Especialista em Direito Constitucional e Direito Processual Penal (UFG). Professora do Curso de Direito da UNITINS.︎

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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