Capa da publicação Cessão de direitos hereditários de imóvel: vale comprar?
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O anúncio diz que o imóvel está à venda mas somente por cessão de direitos hereditários. Será um bom negócio?

30/01/2024 às 18:00
Leia nesta página:

O comprador não deve esperar que apenas com a escritura de cessão de direitos hereditários já poderá transferir o imóvel para seu nome.

COM MUITA FREQUENCIA ao tratarmos de regularização de imóveis observamos a "compra" baseada em "cessão de direitos hereditários". Ao que parece as pessoas pensam que negociar nessa situação representará solução e economia, todavia essa premissa nem sempre é verdadeira e pode esconder muitos problemas, principalmente de cunho financeiro para os envolvidos. A negociação baseada em cessão de direitos hereditários é legítima e tem regras específicas desde 2002 no Código Civil, mas não deixa de ser um negócio aleatório com riscos inerentes ao tipo específico de avença. As regras seguem o artigo 1.793 do referido Código que reza:

"Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de CESSÃO POR ESCRITURA PÚBLICA".

Antes de mais nada, é preciso destacar que o Código Civil deixou clara a necessidade da forma pública para esse tipo de negociação, em plena harmonia com o inciso II do seu artigo 80 que determina ser considerado BEM IMÓVEL para efeitos legais o direito à sucessão aberta. Assim, a negociação envolvendo a doação ou venda de Direitos Hereditários deve observar a forma pública, sendo feita por ESCRITURA PÚBLICA em qualquer Tabelionato de Notas.

Outro ponto importante que infelizmente muita gente qualificada ainda vacila diz respeito à NULIDADE do ato se feito pendente a indivisibilidade ou mesmo sem "autorização judicial". A bem da verdade os parágrafos 2º e 3º do referido artigo 1.793 não imputam NULIDADE mas sim INEFICÁCIA, sendo esses aspectos com efeitos muito diferentes, não se admitindo confusão. Nesse sentido a lição do saudoso ZENO VELOSO (em artigo disponível em www.cartaforense.com.br⁄conteudo⁄artigos⁄cessao-de-direitos-hereditarios-de-bens-singulares-possibilidade⁄5649) que esclarece:

"(...) Aberta a sucessão, o co-herdeiro pode ceder o seu direito à mesma, bem como o quinhão de que disponha, por escritura pública. Esta forma é da substância do ato; a cessão de direitos hereditários celebrada por instrumento particular é NULA de pleno direito. (...) O art. 1.793, § 2º, dispõe que é INEFICAZ a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente. Sem dúvida, o co-herdeiro só pode ceder a sua quota-parte, ou a sua parte ideal na universalidade da herança, mas não a respeito de um bem específico, de um bem determinado ou considerado singularmente. Note-se: a cessão de um bem individuado, dentre os que compõem o espólio, NÃO É NEGÓCIO JURÍDICO INVÁLIDO. NÃO É NULO, nem anulável. A censura da lei está no plano da EFICÁCIA. A cessão, neste caso, é ineficaz, não produz efeito, é inoponível aos demais herdeiros, dado que a herança é uma universalidade, e até a partilha, indivisível. Todavia, a cessão que teve por objeto direito sobre bem determinado recobrir-se-á de eficácia, futuramente, se, na partilha, o aludido bem for efetivamente atribuído ao herdeiro cedente. A questão estará superada, e tudo se resolve. A eficácia opera ex tunc, até por imperativo da lógica e do bom senso. (...) Se todos os herdeiros fazem a cessão de direitos hereditários sobre um bem da herança considerado singularmente, não há contra quem opor a ineficácia desta cessão, e a mesma é válida e eficaz, resguardados, sempre, os direitos de credores. (...) Sintetizando: os direitos a respeito de um bem singular da herança podem ser cedidos pelo herdeiro único (herdeiro universal) ou por todos os herdeiros, conjuntamente. E não haveria motivo para considerar ineficaz o negócio, pois não há ineficácia que não se oponha a interesse de terceiros, e ninguém, no caso, pode alegar direito frustrado ou algum prejuízo. Enfim, não há razão moral, econômica ou jurídica para impedir que a cessão, nos hipóteses citadas, seja realizada."

O que não deve é o Cessionário realizar a "compra" nesses termos junto ao RGI já que a Escritura de Cessão de Direitos Hereditários, como sabemos, não tem ingresso no fólio registral. Para a regularização baseada nesse instrumento (que repita-se, precisa ser feito por ESCRITURA PÚBLICA) será necessária a instauração (ou o ingresso, caso já tenha sido iniciado) do INVENTÁRIO (que pode ser judicial ou extrajudicial, frise-se) pelo Cessionário de Direitos Hereditários de modo a realizar o seu direito, observada inclusive a regra do art. 1.997 do Código Civil, já que até mesmo ele Cessionário pode não receber qualquer direito se os ativos da herança forem inteiramente consumidos pelas dívidas do falecido, como já comentamos em outras passagens.

Com as devidas adaptações, valerá também na negociação baseada em Cessão de Direitos Hereditários a regra do art. 1.245 do CCB, que alerta:

"Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1º. Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel".

A Escritura de Cessão de Direitos Hereditários não é o título translativo tratado no artigo 1.245 do CCB. Nessa hipótese de negociação, o bem adquirido será do cessionário depois de resolvido o Inventário.

Vê-se, portanto, que a negociação baseada em Cessão de Direitos Hereditários pode ser feita, pode ser um negócio vantajoso e uma interessante oportunidade de negócios sim, porém se trata de um negócio ALEATÓRIO que possui consideráveis RISCOS. Aqui, mesmo não sendo determinada por Lei como obrigatória, é muito recomendável a assessoria jurídica de um advogado especialista para controlar os riscos a que as partes estão sujeitas, principalmente o adquirente.

POR FIM, interessante decisão do TJSP confirmando a desnecessidade da autorização judicial quando a cessão é feita por todos os herdeiros, em perfeita harmonia com a regra do par.3º do art. 1.793 do CCB:

"TJSP. 2048244-57.2022.8.26.0000. J. em: 18/08/2022. INVENTÁRIO DE BENS. Decisão que declarou a NULIDADE e ineficácia de negócio jurídico de cessão de direitos hereditários. AGRAVO DE INSTRUMENTO. Cessão de bens realizada através de Escritura Pública. Cessão sobre bem singularizado, realizada por todos os herdeiros. Ineficácia somente perante os coerdeiros. No caso sub judice, considerando que todos os herdeiros fizeram a cessão de direitos hereditários sobre um bem da herança considerado singularmente, por escritura pública, não há contra quem opor a ineficácia desta cessão, razão pela qual a mesma deve ser tida como VÁLIDA e EFICAZ, resguardados os direitos de eventuais credores. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, já que feita em conjunto por todos os herdeiros, sobre bem individualizado. Declaração de nulidade e ineficácia que deve ser afastada. Decisão reformada. RECURSO PROVIDO".

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Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Julio. O anúncio diz que o imóvel está à venda mas somente por cessão de direitos hereditários. Será um bom negócio?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7517, 30 jan. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108219. Acesso em: 8 out. 2024.

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