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Recuperação judicial e extrajudicial: possibilidades de resolução da crise econômico-financeira.

Breves considerações

27/09/2023 às 15:05
Leia nesta página:

Nem todo agente econômico em crise merece ser recuperado.

Em tempos econômicos difíceis, plúmbeos, a esperança, para alguns, pode parecer algo distante, especialmente quando a pessoa jurídica está lutando para sobreviver, cumprir sua função social e manter-se de forma regular no mercado em que opera. Num cenário de pós-crise sanitária mundial a mantença equilibrada da entidade nem sempre se faz de forma almejada.

Não se pode desistir, jamais.

Não se pode desistir, nem mesmo quando o norte deixa de se alcançado.

Não se pode desistir, mesmo quando esboroadas as expectativas empresariais. Há de se prosseguir.

Existem possibilidades para que ocorra a tentativa de soerguimento da entidade mergulhada em crise econômico-financeira. Dentre elas a reestruturação judicial e extrajudicial, previstas na Lei 11.101/05.

A reestruturação empresarial se pode traduzir na tentativa de solução que a entidade jurídica necessita, visando a superar os obstáculos, dificuldades e vicissitudes. Observe-se o termo “tentativa”, porquanto nem todo agente econômico em crise merece ser recuperado. Na hipótese de crise patrimonial, por exemplo, a solução única é a abertura judicial da falência e não a busca por regime recuperatório. Quando a crise é exponencial, inclusive capaz de afetar outras entidades e o próprio mercado, a falência é de rigor.

Com efeito, a questão deve ficar muito nítida, porquanto não raro se veem entidades sob regime recuperatório, sem as mínimas condições de nele permanecer.

A Lei 11.101/05 é um instrumento capaz de colaborar na recuperação efetiva do agente econômico deficitário. Estabilizada a questão econômico-financeira, a pessoa jurídica certamente poderá trilhar, em piso sólido, firme, o caminho do sucesso, atuando plenamente no mercado, gerando riquezas, ofertando novos postos de trabalho e cumprindo sua função social, tal como consta do norte estabelecido pelo artigo 47 da Lei 11.101/05.

Este pequeno ensaio se destina a traçar algumas linhas a respeito da reestruturação empresarial.

Os desafios econômico-financeiros da entidade mergulhada em crise

Em tempos de acentuada crise, a situação econômico-financeira da empresa [leia-se: atividade econômica organizada, consoante regra do art. 966 do Código Civil] pode estar causando preocupação, e até mesmo a sensação de dificuldade para se manter no mercado competitivo. Afinal, surgem os primeiros sinais de alerta quanto a crise que se avizinha ou já está instalada no âmbito empresarial. As dívidas se acumulam, míngua o fluxo de caixa, as operações diminuem drasticamente, os fornecedores abruptamente se afastam, o crédito desaparece, os credores pressionam para que as obrigações sejam cumpridas a tempo e modo corretos, e a incerteza paira sobre o futuro empresarial.

A Lei 11.101/05, modificada há pouco tempo, tem ideário consentâneo com as legislações mais avançadas, guardas as peculiaridades de cada país [muitos importantes institutos não foram observados em 2005, o que se lastima]. O objetivo é que a reestruturação possa oferecer um meio efetivo de reverter essa situação de desequilíbrio momentâneo e o agente volte a ter ponto de equilíbrio, mantendo-se no mercado competitivo, nele operando regularmente, sem sustos ou solavancos. Como já exposto, o mercado tem suas próprias regras, que hão de ser seguidas pelos que nele operam: regularidade, segurança, previsibilidade, calculabilidade, confiança, estabilidade e constância2.

A reestruturação empresarial é possível

A reestruturação empresarial, sob quaisquer formas previstas em lei, é uma possibilidade colocada ao alcance da empresa mergulhada em crise. Trata-se de instrumento de transformação, capaz de resgatar o agente econômico em crise e dar-lhe nova chance de recuperação, mantendo-se no mercado. Para que se possa valer de um dos institutos previstos na lei, há de se cumprir todos os requisitos legais e demonstrar efetiva viabilidade. Quando os titulares da empresa optam por trilhar tal caminho, certamente estão dando um passo firme em direção a um futuro promissor. O regime recuperatório se pode traduzir em um divisor de águas na vida do agente econômico sob crise, sem dúvida. Seus gestores agindo com transparência, boa-fé objetiva e ética certamente terão todas as condições de reverter o quadro deficitário e superar as adversidades momentâneas, voltando a operar regularmente em o mercado. Este é o escopo da lei de 2005. A falência fica para uma segunda hipótese, retirando-se do mercado aquele que está sob indisfarçável crise patrimonial. É insolvente. Aquela que anela a reestruturação empresarial deve tomar urgentes e quiçá colocar em prática drásticas medidas a fim de que recompor/reestruturar a entidade econômica. A responsabilidade pelo agir recai sobre os ombros dos titulares da pessoa jurídica.

Enfrentar a recuperação judicial ou extrajudicial, por exemplo, pode parecer algo complexo e desafiador aos titulares da empresa, porquanto o passo a ser dado é decisivo.

A Lei 11.101/05. Noção geral do diploma legal

A Lei 11.101/05 foi incluída no ordenamento jurídico brasileiro a fim de proporcionar um caminho para empresas em dificuldades. Trata-se de diploma legal inovador, considerando que o Decreto-Lei 7.661/45, que vigorou no Brasil por mais de 60 (sessenta) anos, já não mais fazia sentido, porquanto passou o temo da teoria dos atos de comércio, estando em relevo a teoria da empresa. É uma lei fundamental nessa jornada de tentativa de superação da crise momentânea. O texto legal oferece um arcabouço jurídico-econômico sólido e abrangente, que visa a resguardar os direitos de todas as partes envolvidas. Por outro lado, oferece meios ao agente econômico a fim de que busque resolver a crise, considerada momentânea, passageira.

De forma efetiva, a lei visa a criar um ambiente propício para a reorganização da empresa em crise econômico-financeiro, colaborando para que tente retornar ao mercado competitivo, cabendo ao devedor sempre se pautar pela ética e boa-fé objetiva. Por outro lado, se não pode olvidar dos outros meios para tentativa de resolução da crise, os quais também hão de ser acompanhados por profissional experiente e com sólida formação. A mediação e a arbitragem são instrumentos valiosos também.

A Lei 11.101/05 estabelece diretrizes, regras e procedimentos que visam a equilibrar os interesses dos credores e a necessidade de reestruturação da empresa. Em todo e qualquer processo de reestruturação há de se buscar o resultado justo, equilibrado, razoável e harmônico com a situação vivenciada pela pessoa jurídica em crise. Em resumo, a solução, via plano de reestruturação, há de ser sustentável para todos os agentes envolvidos.

Automatic Stay . Negociação com os credores. Negociação integrativa. A base é o sistema norte-americano

A negociação distributiva deve passar ao largo do regime recuperatório, porquanto “privilegia” apenas uma das partes, por assim dizer. Em hipótese tala inexiste convergência e muito menos norte a ser alcançado por ambas. Impera os interesses particulares de apenas uma delas. Por outro lado, há de ser colocado em relevo, em degrau muito superior, a negociação integrativa, esta sim, benéfica aos negociadores, na medida em que o resultado da negociação é benéfico a todos e não apenas a este ou aquele que participa. Em situação tal, inexistirá desequilíbrio, estando corretos os pratos da balança. É o que se nos parece mais razoável.

Uma das principais inovações advindas com a Lei 11.101/05 é suspensão automática de determinadas ações e execuções judiciais, pelo período de 180 (cento e oitenta) dias. O assim denominado automatic stay period, cuja base está no sistema estadunidense [Bankruptcy Code, Chapter Eleven], foi incorporado no diploma legal a fim de que haja ambiente mais tranquilo e seguro para a negociação integrativa entre devedor e seus credores. Por outro lado, em se tratando de reestruturação judicial, a entidade recuperanda terá prazo legal para apresentação do plano de soerguimento (60 dias). O tempo é deveras razoável a fim de bem elaborar o documento, visando sua efetiva aprovação pelos credores. O plano de reestruturação é quiçá o mais importante documento do processo de reestruturação, porquanto é ele que contém as premissas básicas, as balizas e o norte a ser seguido, a fim de que ocorra a satisfação de todas as dívidas por ele abrangidas.

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Quanto a negociação com os credores, profissional técnico, especializado há de estar à frente. Importante destacar, uma vez mais, que a negociação há de ser a integrativa – consoante já exposto -, imperando o bom senso, o equilíbrio, a razoabilidade e a cedência mútua, visando a convergência de interesses, o efetivo pagamento dos valores acordados e, por fim, o soerguimento efetivo da entidade econômica recuperanda. Aliás, Aristóteles nos diz que a virtude é saber encontrar o meio-termo entre dois extremos. É prudente que as negociações entre devedor e credor sejam nesta linha de pensamento.

A busca pela efetiva estabilidade econômico-financeira

Todos os que empreendem, que constituem pessoa jurídica e ingressam no mercado competitivo, amparados na livre inciativa e têm ciência de sua inequívoca função social, buscam se manter no mercado competitivo. Sabem de forma inequívoca do valor social do trabalho e buscam contribuir para o desenvolvimento da nação. Têm ciência dos direitos sociais e individuais assegurados pela Constituição Federal, bem como sabem de todas as responsabilidades que recaem sobre a pessoa jurídica criada. Por outro lado, também têm noção do risco que é atuar no mercado competitivo. Dito de outro modo, mas com igual proposto, nem sempre a atividade econômica organizada gera lucro [ por óbvio ululante, o fim da pessoa jurídica de direito privado é a obtenção de lucro na sua atividade econômica} e esse aspecto deve ser considerando quando da constituição de uma entidade jurídica. A sociedade mercantil pode passar por reveses; o mercado se pode retrair ou, o que é pior: uma crise sanitária mundial pode afastar todas as expectativas, e a escassez se faz presente. Em momento tal, a razoabilidade e equilíbrio hão de prevalecer.

Nem sempre a atividade econômica tem sucesso, ou seja, as crises ocorrem e em hipóteses tais, ao primeiro sinal de alerta, os gestores empresariais devem buscar as soluções. As decisões devem ser tomadas, o quanto antes. A reestruturação (judicial ou extrajudicial) se pode traduzir em meio para superação da crise momentânea. Está ao alcance dos agentes econômicos que estão mergulhados em crise, considerada passageira. Em tese, pode ser instrumento jurídico visando a que a entidade econômica se erga, cresça e volte a operar de forma regular Por meio desse processo, é possível reestruturar as finanças, estabelecer novas parcerias e [re]conquistar confiança do mercado, clientes, credores e assim por diante. Em plúmbeos tempos de pandemia e pós-crise sanitária mundial, muitos agentes econômicos se viram “obrigados” a se repaginar, se reorganizar estruturalmente, visando a sobrevivência e mantença de sua atividade no mercado.

O Processo de recuperação judicial

A recuperação judicial se traduz em complexa ação, com múltiplos interesses envolvidos (devedor, credores, terceiros etc.), sendo necessário compreender cada uma das etapas que compõem o processo.

Em resumo, são estes os passos [aqui apresentados de forma resumida]:

  1. Avaliação da crise por profissionais especializados

Conforme dito, ao primeiro sinal de crise, há de se buscar solução. O primeiro passo é analisar de forma pormenorizada a efetiva situação da atividade econômica. Um diagnóstico da crise é imprescindível por técnicos especializados, tais como contadores, advogados, analistas de finanças. Para tanto, profissionais hão de ser convocados a colaborar, a fim de que se possa ter exata noção do que ocorre com a empresa.

  1. Viabilidade e ingresso da ação judicial

Em sendo viável o soerguimento, o próximo passo será o ajuizamento da ação de recuperação judicial – perante o juízo competente -, ação essa que deve observar todos os requisitos legais previstos no Código de Processo Civil e na Lei 11.101/05. A documentação precisa ser consistente e estar em estrita consonância com a lei de regência. O devedor mergulhado em crise, ao ingressar com a ação há de estar imbuído com boa-fé objetiva e ética, além da indispensável transparência no agir, dentro e fora do Juízo.

3. A pessoa jurídica em Juízo

Estando em termos a petição inicial e documentos acostados, o magistrado, em conformidade com o art. 52 da lei, determina o processamento da recuperação judicial. A partir da prolação da decisão judicial, irradiam-se efeitos em relação a devedor e credores. Há outras situações que podem ocorrer, como, por exemplo, a determinação de que ocorra perícia prévia [instituto que se traduz em novidade na Lei 11.101/05, mas que de há muito pé objeto de análise pela doutrina de ponta], a fim de que seja elaborado laudo técnico, assinado por perito nomeado judicialmente, sobre as condições em que opera a empresa, bem como regularidade e completude da documentação apresentada com a petição inicial.

Em ocorrendo a primeira hipótese antes apresentada, a entidade recuperanda terá o prazo de 60 (sessenta) dias para apresentar o plano de reestruturação. Em havendo objeção por qualquer credor, a assembleia geral de credores será convocada, a fim de que seja deliberado a respeito.

Caso aprovado o plano, deverá ser implementado, de modo que todos os envolvidos (credores e devedor) hão agir de boa-fé objetiva e ética, visando o efetivo pagamento das dívidas, soerguimento empresarial e retorno pleno à atividade econômico e ao próprio mercado.

Retorno da atividade econômica de forma plena e crescimento

Concedida a oxigenação necessária para o soerguimento, com a dilação do prazo para pagamento das dívidas, por exemplo, a empresa, paralelamente ao efetivo cumprimento de todas as condições acordadas, terá condições de continuar operando no mercado, porquanto saneada, reestruturada, com as finanças equilibradas. Pisando em solo sólido, firme, a trilha empresarial estará aberta para o novo, para as oportunidades que advirão. A expansão dos negócios será próspera, por consequência.

Por tudo o que foi alinhado, de forma muito breve, restou demonstrado, quer-se crer, que recuperação empresarial pode ser a solução que o agente econômico em crise procura. É, quiçá, uma real possibilidade de soerguimento, de renovação e recomeço. A recuperação se pode traduz em meio para que haja o saneamento empresarial, sua transformação e superação da crise momentânea.

Mesmo em tempo de crise, de dias nublados, importante ter em mente que melhores tempos virão. Verão.


  1. .

  2. Por todos: GRAU, Eros R. Por que tenho medo dos juízes: a interpretação/aplicação do direito e os princípios. São Paulo: Malheiros, 2016.

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Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CLARO, Carlos Roberto. Recuperação judicial e extrajudicial: possibilidades de resolução da crise econômico-financeira.: Breves considerações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7392, 27 set. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/104598. Acesso em: 7 out. 2024.

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